Mergulhador brasileiro Bruno Borges morreu na Austrália e foi encontrado ao lado de carregamento de cocaína — Foto: Reprodução
Cada vez mais, facções recorrem a profissionais, que
muitas vezes já trabalham nos portos, para contaminar embarcações com cocaína
A ação é feita
geralmente à noite. O pagamento é alto, e pode alcançar R$ 300 mil, mas o risco
é elevado, e já houve caso de contratados para o serviço que morreram durante a
sua execução. O uso de mergulhadores profissionais pelo tráfico para colocar
drogas escondidas em navios tem se espalhado pelos portos brasileiros. Em 2019,
foram apreendidos 360 quilos de cocaína introduzidas em embarcações por este
procedimento. No ano passado, foram quase três toneladas.
Em portos como o
de Santos (SP), Vila Velha (ES) e Pecém (CE), os mergulhadores ocultam tijolos
de cocaína em estruturas submersas de graneleiros e cargueiros. A droga
geralmente é colocada em caixas de mar (sea chest), que captam água usada como
lastro ou para resfriar motores.
O campeão de
apreensões é o Porto de Santos, onde mais de duas toneladas foram encontradas
no ano passado. Em 2019, a cocaína retirada de caixas de mar representava 2,4%
do total de apreensões no maior porto do Brasil. Quatro anos depois, o
percentual saltou para 30%.
Segundo o
pesquisador Gabriel Patriarca, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP,
apesar de os contêineres continuarem sendo o principal esconderijo para o
tráfico por navios, o aumento da fiscalização fez as caixas de mar no casco se
tornarem uma alternativa. Uma portaria da Receita Federal de 27 de junho, por
exemplo, incluiu novos destinos que terão suas cargas submetidas ao scanner do
Porto de Santos, como Rússia e Israel.
— A estrutura
para contêiner já é bem consolidada. E tanto a Receita Federal do Brasil (RFB) quanto a Polícia
Federal (PF) já sabem quais são as vulnerabilidades e como tratá-las. A varredura do
casco é uma coisa nova — diz Patriarca.
Por causa de
Santos, São Paulo é o estado com mais apreensões (4.711kg) de cocaína em cascos
de navio, seguido do Rio (815kg), Espírito Santo (649kg) e Ceará (483kg). Há
registros ainda no Rio Grande do Sul (364kg), Santa Catarina (414kg) e Paraná
(204kg), além de Pará (85kg) e Amapá (155kg).
A variedade de
portos acompanha uma tendência da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) de
buscar novos locais para escoar drogas, em reação à fiscalização no Porto de
Santos, segundo especialistas. Para Daniel Hirata, coordenador do Grupo de
Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF),
outro elemento que contribui é o investimento de outras facções.
— É difícil
determinar quando, mas o Comando Vermelho (CV) passou a também focar no tráfico
internacional. O Porto de Santos é uma área de hegemonia completa do PCC — diz
Hirata. — Há presença do CV no Espírito Santo, Ceará e Pará, um lugar de
relações importantes para a facção. No Sul, temos uma grande influência do PCC
— acrescenta.
Mais difícil de
ser detectado, o uso de mergulhadores é um desafio às autoridades. Um relatório
da seguradora marítima Proinde de abril deste ano indica que mais da metade das
apreensões em caixas de mar contaminadas no Brasil ocorre fora do país (53%). A
preferência é por graneleiros, que transportam desde produtos agrícolas a
minério de ferro. São menos fiscalizados que os cargueiros.
— Nem a PF e nem
a Receita tem equipes especializadas nesse tipo de mergulho — explica
Patriarca, ressaltando existir uma dependência de profissionais de Marinha do
Brasil (MB) e Polícia Militar (PM). — Como não tem essa mão de obra a todo
momento, fazem quando há uma movimentação suspeita ou informação de
inteligência.
A dificuldade
inerente ao trabalho é um limite para o uso dos mergulhadores pelas facções
criminosas. Um relatório de 2023 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime (UNODC) destaca que o processo é arriscado, com altas chances de
fracassar pela ocorrência de acidentes ou apenas do mau tempo.
— O mergulho é
muito difícil, as águas são turvas. O casco do navio fica próximo ao cais, e o
mergulhador pode ser esmagado — diz Patriarca.
A mão de obra
vem, assim, dos próprios portos, onde mergulhadores atuam em reparos e limpeza
de estruturas submersas. Mas estrangeiros também podem ser usados. Foi o caso
do “Aquaman do PCC”, como ficou conhecido o espanhol Joaquín Francisco Gimenez, em janeiro de 2022 no Guarujá (SP). Com atuação no Porto de Santos e
Vitória, ele era dono de uma empresa em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, que
tinha contratos com autoridades locais, segundo o jornal “La Provincia”. Pelos
mergulhos do tráfico, receberia cerca de R$ 300 mil.
Morte na Austrália
Uma ação ilegal que custou a vida de pelo menos um brasileiro ocorreu em maio de 2022, naAustrália. O capixaba Bruno Borges foi retirado morto das águas de Newscastle,
ao lado de 54 quilos de cocaína. Borges e o paulista Jhoni Fernandes da Silva
haviam viajado clandestinamente ao país para recolherem um carregamento de
cocaína.
Jhoni está
desaparecido. Em maio, uma caminhonete usada pelos criminosos foi desenterrada
em uma área de mata de Newcastle. No mês seguinte, uma perícia foi realizada em
uma casa de um subúrbio de Sydney, onde se acredita que Jhoni tenha residido
depois da morte de Borges.
O empresário do
ramo do turismo e operador de iates James Blake Blee foi preso em um aeroporto
dois dias depois de o corpo do brasileiro ser encontrado. Ele teria contrabandeado
US$20 milhões em cocaína e trazido ilegalmente a dupla em um veleiro da
Indonésia. No fim de 2023, Blee admitiu ser culpado das acusações e aguarda
julgamento, previsto para agosto.
Fonte: O Globo
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