Aliança entre facção brasileira e grupos da Europa para levar
cocaína movimentou 371 milhões de em 500 contas bancárias
Maior mercado consumidor de cocaína do mundo, a Europa viu durante anos a ascensão de grupos marginais que viraram referência para o crime organizado em todo o planeta, como a siciliana Cosa Nostra, a mais antiga máfia da história, ou a Camorra, que impôs o terror a partir do porto de Nápoles, por onde chegava boa parte da droga.
O poder dessas quadrilhas, construído por meio de corrupção e violência,
inspirou sucessos literários como Gomorra (Roberto Saviano) e O Poderoso Chefão
(Mario Puzo) — este serviu de base à trilogia homônima imortalizada por Francis
Ford Coppola no cinema. Nos últimos anos, no entanto, o controle sobre o
mercado foi se pulverizando, com o surgimento de falanges baseadas em países
periféricos, mas que agem de forma coordenada para abastecer o Velho Continente
— entre elas, está uma sigla bem conhecida dos brasileiros: PCC.
O alerta, que já
está disparado há algum tempo, voltou a soar com força há pouco mais de uma
semana. Uma megaoperação coordenada pela Europol, a polícia da União Europeia,
com participação da PF brasileira, prendeu quarenta pessoas, no Brasil, na
Croácia, Alemanha, Sérvia, Espanha e Turquia, acusadas de enviarem drogas à
Europa — a PF e a Europol não detalham as prisões. Em solo brasileiro, foram
apreendidos 12,5 milhões de euros e 3 milhões de dólares, soma equivalente a 90
milhões de reais. Além disso, 50 milhões
de euros foram bloqueados na Sérvia. Uma investigação de março revelou que o
esquema já movimentou 371 milhões de euros em cerca de 500 contas bancárias.
O papel do PCC não é pequeno. O entorpecente vem dos países produtores (Colômbia, Peru e Bolívia), passa por Brasil e África e entra no continente europeu pelos portos dos Bálcãs (Bósnia e Herzegovina, Croácia, Romênia e Turquia), uma alternativa aos destinos clássicos — e ainda utilizados —, como Hamburgo (Alemanha), Antuérpia (Bélgica) e Roterdã (Holanda).
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Além de ser responsável pelo
transporte terrestre da droga, a rede brasileira fornecia serviços de logística
e facilitava a lavagem de dinheiro para outras quadrilhas. “As organizações
estão sempre se reinventando”, afirma o secretário nacional de Segurança
Pública, Mário Sarrubbo.
A cocaína ainda é a grande mercadoria do tráfico internacional. No começo do ano, o quilo da droga chegou a custar 84 000 dólares na França, mais de vinte vezes o preço do início da cadeia produtiva. Antes, as máfias europeias enviavam membros à América Latina para cuidarem da compra e do transporte da droga. Porém, além de custar caro e ser pouco eficiente, pela falta de conhecimento da região, o método chamava a atenção das autoridades.
Por isso, as facções firmaram alianças com
grupos latinos para terceirizar a operação e ficar com a distribuição e venda.
Chefes do PCC, como André de Oliveira Macedo, o André do Rap, Gilberto
Aparecido dos Santos, o Fuminho, e Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola —
este o capo di tutti capi da facção —, já vendiam ao exterior a sua própria cocaína
desde 2009, mas a organização, de forma articulada, entrou no tráfico internacional
em 2017. Hoje, as maiores alianças são com a ‘Ndrangheta — que tomou o lugar da
Cosa Nostra como a principal quadrilha da Itália —, com traficantes sérvios e
com a máfia albanesa, conhecida pela violência e por assumir o “trabalho sujo” que
não interessa mais à organização italiana.
A articulação das facções preocupa — e muito — os governos da Europa. Em abril, uma comitiva de autoridades da Justiça da Romênia e da República Tcheca esteve no Brasil para debater, entre outros temas, o tráfico de cocaína na Europa com participação decisiva de brasileiros. O caráter transnacional do problema exige cada vez mais cooperação.
Em novembro de 2023, os países da América do Sul criaram em Brasília a Ameripol, uma polícia continental. A iniciativa foi um passo
importante, mas está longe do ideal. Hoje, grande parte da colaboração do país
com outras polícias se dá no cumprimento de diligências — e não para dividir a
investigação. “O crime organizado não tem fronteiras, nós é que temos”, diz o
promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que investiga o PCC desde o surgimento e
diz que a sua expansão foi negligenciada pelas autoridades. Nem a negligência,
nem o improviso e a desarticulação podem dar mais o tom na reação do país ao
poderio do crime. O alarme já soou até na Europa.
Fonte: Autor: Isabella Alonso Panho - publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898
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