Crédito: Arquivo do Jornal A Tribuna - Santos |
Na última terça-feira (21), representantes do
Ministério Público Federal (MPF) e da Autoridade Portuária de Santos (APS)
realizaram uma reunião para discutir as medidas necessárias a reparação pela
perseguição a trabalhadores portuários no período da Ditadura Militar.
Um inquérito do MPF demonstrou que, durante todo o
período da Ditadura Militar (1964 a 1985), a então administração portuária manteve
vínculo estreito com os órgãos do regime, coordenando a perseguição a
trabalhadores e coibindo atividades sindicais. Segundo o MPF, houve intensa colaboração
do comando do porto com a repressão da ditadura.
O MPF quer que a APS, antiga Companhia Docas do
Estado de São Paulo (CODESP), assuma o compromisso de reparar os prejuízos
ocasionados tanto às vítimas dessas perseguições quanto à sociedade.
De acordo com o MPF, ao assumir o comando do porto,
a Codesp (agora APS) herdou e manteve um sistema repressivo interno criado por
sua antecessora, a Companhia Docas de Santos (CDS). A empresa foi uma das
fundadoras e financiadoras do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes),
entidade que planejou o golpe de 1964.
Reunião
com a APS
"Esta reunião foi um primeiro contato para
tratar das providências que, segundo o MPF, a APS deve adotar para as
reparações individuais e coletivas. O próximo passo será a disponibilização da
íntegra do inquérito à empresa para que ela tome ciência de todas as provas
reunidas e possa planejar os encaminhamentos a serem apresentados. A data da
próxima reunião ainda não foi definida", informou o MPF em nota.
Também em nota, a Autoridade Portuária do Porto de
Santos informou que a reunião foi para apresentação do trabalho dos
procuradores, sem qualquer conclusão sobre o tema. "O presidente da APS,
Anderson Pomini, colocou-se à disposição do MPF para contribuir na busca da
verdade sobre eventuais práticas de abusos durante o período do regime militar
nas empresas predecessoras da gestão do Porto de Santos (gestão privada de 90
anos, até 1980, e pública após), lembrando que o auge da questão citada ocorreu
nas décadas de 1960 e 1970", informou.
Inquérito
O inquérito é um dos procedimentos que o MPF conduz
sobre a associação de empresas ao regime militar para a perseguição política de
trabalhadores. As apurações foram realizadas em parceria com a Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp).
“Embora a atual gestão do porto não tenha sido
responsável pelos atos do passado, a estatal que controla o porto é a mesma que
o administra desde 1980. Ou seja, ao menos nos cinco últimos anos da ditadura,
ela teve atuação direta na repressão aos trabalhadores e, portanto, deve
indenizar ou compensar esse passivo histórico”, apontou o procurador da
República Ronaldo Ruffo Bartolomazi, titular do inquérito, conforme nota
divulgada pelo MPF.
Segundo o Ministério Público Federal, a Companhia
Docas de Santos (CDS) – antecessora da CODESP –, junto a seu proprietário,
Cândido Guinle de Paula Machado, e executivos, foi uma das fundadoras e
financiadoras do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entidade que
atuou no planejamento do golpe de 1964. “Ao longo dos governos militares,
vários nomes de relevo do regime ditatorial figuraram na composição da
diretoria e do conselho consultivo da CDS”, apontou o MPF.
Departamento
de Vigilância Interna - DVI
As investigações revelaram que a CDS tinha uma
estrutura de policiamento no Porto de Santos para monitorar todas as
movimentações de seus empregados. “As ações, inicialmente preventivas, ganharam
contornos de repressão principalmente a partir de 1966, quando foi criado o
Departamento de Vigilância Interna (DVI)”, diz o órgão.
Segundo o MPF, o DVI atuava em conluio com o
Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Santos e delegacias de
polícia da cidade. O setor era composto por funcionários comissionados da
empresa, mas estava sob direção da Marinha e tinha militares e agentes de
órgãos oficiais em seus postos de chefia.
A troca de informações sobre empregados do porto
trazia vantagens para os dois lados. Com dados fornecidos pela divisão de
vigilância da CDS, os órgãos de repressão tinham condições de agir com ainda
mais força contra quaisquer movimentações dos trabalhadores que pudessem
contrariar a ordem ditatorial.
Ao mesmo tempo, o enquadramento de empregados nos
crimes previstos na Lei de Segurança Nacional permitia à empresa dispensá-los
por justa causa e eximir-se de pagar os direitos trabalhistas devidos, apontou o
MPF.
Tortura
Além disso, a promotoria ressalta que a tortura era
prática comum nas dependências do DVI e que os trabalhadores levados para lá
permaneciam incomunicáveis por horas ou dias enquanto eram submetidos a agressões
físicas e psicológicas.
Em 1975, o chefe do setor, José do Amaral
Garbogini, chegou a admitir o uso dos métodos violentos ao reagir a matérias
jornalísticas que tratavam da tortura contra empregados do porto. Segundo ele,
as práticas seriam necessárias para o cumprimento das atribuições do DVI na
desarticulação de supostas quadrilhas subversivas.
Sindicatos
A vigilância sobre os empregados tornava-se ainda
mais severa nos períodos de eleição para as diretorias de sindicatos. A
política de arrocho salarial da ditadura, alinhada aos interesses da CDS e de
outras grandes empresas, gerava insatisfação cada vez maior entre os
trabalhadores.
No Porto de Santos, a baixa remuneração se somava à
ampliação de jornadas, à supressão de folgas semanais e à falta de condições de
segurança. Desmobilizar protestos contra esse cenário estava na ordem do dia da
Companhia Docas, que tinha nas lideranças sindicais seu alvo preferencial para
as ações de monitoramento.
As investigações apontam que o ataque aos
sindicatos de trabalhadores do terminal começou logo depois do golpe de 1964,
quando as entidades passaram por intervenções e tiveram suas diretorias
afastadas. No primeiro ano da ditadura, representantes dos trabalhadores foram
enviados ao navio-prisão Raul Soares, ancorado em Santos, para manter
militantes políticos sob tortura em ambientes insalubres.
Navio-prisão Raul Soares |
O MPF acrescenta que a perseguição aos
sindicalistas no porto se estendeu por todo o período da ditadura, inclusive
após a transição da CDS para a Codesp, em 1980. A promotoria enfatiza que, ao
assumir o comando do porto, a Codesp “herdou e deu prosseguimento a um sistema
repressivo interno criado por sua antecessora”.
Além das torturas e prisões, os trabalhadores
sofriam com demissões e enfrentavam processos por subversão ou atentado à
segurança nacional, que somente depois de muito tempo de tramitação resultavam
em absolvições por falta de provas ou inexistência de crimes. “Ainda assim, os
registros em órgãos de repressão e os constrangimentos pelas acusações tornavam
inviável a recolocação no mercado de trabalho. Marcados pela humilhação, muitos
amargaram longos períodos de desemprego nos anos seguintes”, aponta relato do
MPF.
Greve no Porto de Santos - Foto: Crédito Jornal A Tribuna de Santos |
O inquérito sobre a CDS/CODESP/APS é um dos
procedimentos que o MPF conduz a respeito da associação entre empresas e o
regime militar para a perseguição política de trabalhadores. As apurações foram
realizadas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que
forneceu apoio científico e metodológico. Parte dos recursos para o financiamento
das atividades é oriunda do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que o
Ministério Público firmou com a Volkswagen em 2020, após investigações sobre a colaboração
da montadora com a ditadura.
Cultura
da Perseguição e do Assédio Moral
Em 2009 a empresa assinou um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC N°034/2009 - ICP n° 15.661/2007), se comprometendo:
“Não submeter, permitir ou tolerar que seus
empregados sejam expostos ao chamado assédio moral, resguardando-os de
humilhações e, de atos vexatórios e agressivos e de qualquer tipo de
perseguição, enfim, garantindo-lhes tratamento digno e comparável com sua
condição humana”
Em 23/02/2011, matéria publicada no Site Falasantos
(republicada neste site) "Nem nos Tempos de Raul Soares",
retrata que a perseguição e o assédio moral na Guarda Portuária (GPort)
continuou mesmo após o termino da Ditadura Militar.
Os argumentos revelados pelo então Superintendente
da GPort, Celso Simonetti Trench Júnior, em ofício encaminhado ao Sindaport,
revelam notadamente sua ultrapassada vocação autocrata, há muito em desuso e
que já não significava absolutamente nada em termos de administrações modernas
e profissionalizadas.
Em 27 de outubro de 2019, houve um verdadeiro terrorismo psicológico quando vários guardas portuários foram obrigados a
dobrar a sua jornada, conforme comunicado enviado aos supervisores pelo Gerente
de Operações da Guarda Portuária (GPort), Wagner Pinheiro de Almeida, a não ser
que fossem dispensados por ordem direta dele ou do superintendente.
Guardas portuários foram obrigados a dobrar a jornada - Foto: Crédito Jornal A Tribuna de Santos |
Recentemente a empresa foi condenada, por duas
vezes, por perseguição e assédio moral a um inspetor.
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