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terça-feira, 28 de maio de 2024

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INVESTIGAÇÃO DO MPF CONCLUIU QUE PORTO DE SANTOS COLABOROU COM A REPRESSÃO DA DITADURA

Crédito: Arquivo do Jornal A Tribuna - Santos

Inquérito aponta que houve perseguição a trabalhadores e intensa colaboração do comando do porto com a repressão da ditadura

Na última terça-feira (21), representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Autoridade Portuária de Santos (APS) realizaram uma reunião para discutir as medidas necessárias a reparação pela perseguição a trabalhadores portuários no período da Ditadura Militar.

Um inquérito do MPF demonstrou que, durante todo o período da Ditadura Militar (1964 a 1985), a então administração portuária manteve vínculo estreito com os órgãos do regime, coordenando a perseguição a trabalhadores e coibindo atividades sindicais. Segundo o MPF, houve intensa colaboração do comando do porto com a repressão da ditadura.

O MPF quer que a APS, antiga Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), assuma o compromisso de reparar os prejuízos ocasionados tanto às vítimas dessas perseguições quanto à sociedade.

De acordo com o MPF, ao assumir o comando do porto, a Codesp (agora APS) herdou e manteve um sistema repressivo interno criado por sua antecessora, a Companhia Docas de Santos (CDS). A empresa foi uma das fundadoras e financiadoras do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entidade que planejou o golpe de 1964.

Reunião com a APS

"Esta reunião foi um primeiro contato para tratar das providências que, segundo o MPF, a APS deve adotar para as reparações individuais e coletivas. O próximo passo será a disponibilização da íntegra do inquérito à empresa para que ela tome ciência de todas as provas reunidas e possa planejar os encaminhamentos a serem apresentados. A data da próxima reunião ainda não foi definida", informou o MPF em nota.

Também em nota, a Autoridade Portuária do Porto de Santos informou que a reunião foi para apresentação do trabalho dos procuradores, sem qualquer conclusão sobre o tema. "O presidente da APS, Anderson Pomini, colocou-se à disposição do MPF para contribuir na busca da verdade sobre eventuais práticas de abusos durante o período do regime militar nas empresas predecessoras da gestão do Porto de Santos (gestão privada de 90 anos, até 1980, e pública após), lembrando que o auge da questão citada ocorreu nas décadas de 1960 e 1970", informou.

Inquérito

O inquérito é um dos procedimentos que o MPF conduz sobre a associação de empresas ao regime militar para a perseguição política de trabalhadores. As apurações foram realizadas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“Embora a atual gestão do porto não tenha sido responsável pelos atos do passado, a estatal que controla o porto é a mesma que o administra desde 1980. Ou seja, ao menos nos cinco últimos anos da ditadura, ela teve atuação direta na repressão aos trabalhadores e, portanto, deve indenizar ou compensar esse passivo histórico”, apontou o procurador da República Ronaldo Ruffo Bartolomazi, titular do inquérito, conforme nota divulgada pelo MPF.

Segundo o Ministério Público Federal, a Companhia Docas de Santos (CDS) – antecessora da CODESP –, junto a seu proprietário, Cândido Guinle de Paula Machado, e executivos, foi uma das fundadoras e financiadoras do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entidade que atuou no planejamento do golpe de 1964. “Ao longo dos governos militares, vários nomes de relevo do regime ditatorial figuraram na composição da diretoria e do conselho consultivo da CDS”, apontou o MPF.

Departamento de Vigilância Interna - DVI

As investigações revelaram que a CDS tinha uma estrutura de policiamento no Porto de Santos para monitorar todas as movimentações de seus empregados. “As ações, inicialmente preventivas, ganharam contornos de repressão principalmente a partir de 1966, quando foi criado o Departamento de Vigilância Interna (DVI)”, diz o órgão.

Segundo o MPF, o DVI atuava em conluio com o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Santos e delegacias de polícia da cidade. O setor era composto por funcionários comissionados da empresa, mas estava sob direção da Marinha e tinha militares e agentes de órgãos oficiais em seus postos de chefia.

A troca de informações sobre empregados do porto trazia vantagens para os dois lados. Com dados fornecidos pela divisão de vigilância da CDS, os órgãos de repressão tinham condições de agir com ainda mais força contra quaisquer movimentações dos trabalhadores que pudessem contrariar a ordem ditatorial.

Ao mesmo tempo, o enquadramento de empregados nos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional permitia à empresa dispensá-los por justa causa e eximir-se de pagar os direitos trabalhistas devidos, apontou o MPF.

Tortura                                   

Além disso, a promotoria ressalta que a tortura era prática comum nas dependências do DVI e que os trabalhadores levados para lá permaneciam incomunicáveis por horas ou dias enquanto eram submetidos a agressões físicas e psicológicas.

Em 1975, o chefe do setor, José do Amaral Garbogini, chegou a admitir o uso dos métodos violentos ao reagir a matérias jornalísticas que tratavam da tortura contra empregados do porto. Segundo ele, as práticas seriam necessárias para o cumprimento das atribuições do DVI na desarticulação de supostas quadrilhas subversivas.

Sindicatos

A vigilância sobre os empregados tornava-se ainda mais severa nos períodos de eleição para as diretorias de sindicatos. A política de arrocho salarial da ditadura, alinhada aos interesses da CDS e de outras grandes empresas, gerava insatisfação cada vez maior entre os trabalhadores.

No Porto de Santos, a baixa remuneração se somava à ampliação de jornadas, à supressão de folgas semanais e à falta de condições de segurança. Desmobilizar protestos contra esse cenário estava na ordem do dia da Companhia Docas, que tinha nas lideranças sindicais seu alvo preferencial para as ações de monitoramento.

As investigações apontam que o ataque aos sindicatos de trabalhadores do terminal começou logo depois do golpe de 1964, quando as entidades passaram por intervenções e tiveram suas diretorias afastadas. No primeiro ano da ditadura, representantes dos trabalhadores foram enviados ao navio-prisão Raul Soares, ancorado em Santos, para manter militantes políticos sob tortura em ambientes insalubres.

Navio-prisão Raul Soares

O MPF acrescenta que a perseguição aos sindicalistas no porto se estendeu por todo o período da ditadura, inclusive após a transição da CDS para a Codesp, em 1980. A promotoria enfatiza que, ao assumir o comando do porto, a Codesp “herdou e deu prosseguimento a um sistema repressivo interno criado por sua antecessora”.

Além das torturas e prisões, os trabalhadores sofriam com demissões e enfrentavam processos por subversão ou atentado à segurança nacional, que somente depois de muito tempo de tramitação resultavam em absolvições por falta de provas ou inexistência de crimes. “Ainda assim, os registros em órgãos de repressão e os constrangimentos pelas acusações tornavam inviável a recolocação no mercado de trabalho. Marcados pela humilhação, muitos amargaram longos períodos de desemprego nos anos seguintes”, aponta relato do MPF.

Greve no Porto de Santos - Foto: Crédito Jornal A Tribuna de Santos

O inquérito sobre a CDS/CODESP/APS é um dos procedimentos que o MPF conduz a respeito da associação entre empresas e o regime militar para a perseguição política de trabalhadores. As apurações foram realizadas em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que forneceu apoio científico e metodológico. Parte dos recursos para o financiamento das atividades é oriunda do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que o Ministério Público firmou com a Volkswagen em 2020, após investigações sobre a colaboração da montadora com a ditadura.

Cultura da Perseguição e do Assédio Moral

Em 2009 a empresa assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC N°034/2009 - ICP n° 15.661/2007), se comprometendo:

“Não submeter, permitir ou tolerar que seus empregados sejam expostos ao chamado assédio moral, resguardando-os de humilhações e, de atos vexatórios e agressivos e de qualquer tipo de perseguição, enfim, garantindo-lhes tratamento digno e comparável com sua condição humana”

Em 23/02/2011, matéria publicada no Site Falasantos (republicada neste site) "Nem nos Tempos de Raul Soares", retrata que a perseguição e o assédio moral na Guarda Portuária (GPort) continuou mesmo após o termino da Ditadura Militar.

Os argumentos revelados pelo então Superintendente da GPort, Celso Simonetti Trench Júnior, em ofício encaminhado ao Sindaport, revelam notadamente sua ultrapassada vocação autocrata, há muito em desuso e que já não significava absolutamente nada em termos de administrações modernas e profissionalizadas.

Em 27 de outubro de 2019, houve um verdadeiro terrorismo psicológico quando vários guardas portuários foram obrigados a dobrar a sua jornada, conforme comunicado enviado aos supervisores pelo Gerente de Operações da Guarda Portuária (GPort), Wagner Pinheiro de Almeida, a não ser que fossem dispensados por ordem direta dele ou do superintendente.

Guardas portuários foram obrigados a dobrar a jornada - Foto: Crédito Jornal A Tribuna de Santos

Recentemente a empresa foi condenada, por duas vezes, por perseguição e assédio moral a um inspetor.

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