Desde o início do mês de março, contêineres com destino a Austrália, Hong Kong, Cingapura, Indonésia e
Taiwan, devem passar por scanners
O tráfico de
drogas para destinos como Austrália, Hong Kong e Cingapura entrou na mira da
Alfândega da Receita Federal do Porto de Santos, o maior do hemisfério sul.
Desde o início do mês de março, uma nova regra determina que contêineres embarcados em
navios que vão para esses locais, além de Indonésia e Taiwan, devem
obrigatoriamente passar por scanners antes de entrar nos terminais.
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“Houve
incremento nas apreensões de cocaína lá fora e aqui no Brasil com destino aos
portos desses países”, disse ao Estadão Richard Neubarth, delegado da Alfândega
da Receita Federal do Porto de Santos. Por isso, conta, o órgão de fiscalização
decidiu testar a nova medida por dois meses. A ação foi possibilitada por um
aumento recente no efetivo da Receita.
O escaneamento
obrigatório começou a ser implementado em Santos no começo de 2016, mas, até o
momento, tinha como foco apenas contêineres com destino a África e Europa,
considerados os dois continentes para onde o Primeiro Comando da Capital (PCC)
mais envia drogas. Com a adoção de scanners para fiscalizar navios com esses
destinos, a hipótese é que Ásia e Oceania ganharam espaço.
Em um primeiro
momento, o escaneamento obrigatório de cargas com destino a Austrália, Hong
Kong, Cingapura, Indonésia e Taiwan terá obrigatoriedade temporária, mas há
possibilidade de prorrogação. “Vai ficar março e abril escaneando para ter um
diagnóstico”, diz Neubarth.
Com auxílio de
cães farejadores, a Receita apreendeu na quarta-feira, 20/03, um total de 46 quilos de cocaína na estrutura de um contêiner refrigerado. O recipiente estava
carregado de caixas de suco de laranja. O navio para onde ele estava sendo
levado tinha como destino o Porto de Sydney.
Se chegasse até
lá, a droga poderia ser vendida por um valor mais elevado. “Na Austrália, a
cocaína vale de três até cinco vezes mais do que na Europa, que já representa
ganho enorme em relação à cocaína aqui na América do Sul”, afirma Neubarth. “Se
eles conseguem levar de um continente para outro uma carga ilícita que se tenha
demanda, o lucro é muito grande.”
Investigações do
Ministério Público de São Paulo indicam que o PCC paga de US$ 1,2 mil a US$ 1,4
mil (de R$ 6 mil eaR$ 7 mil) pelo quilo de cocaína para países vizinhos, como
Colômbia, Peru e Bolívia. Na Europa, revende, em média, por € 35 mil, em envios
que ocorrem sobretudo pelos portos brasileiros. Mas o lucro pode ser ainda
maior: a estimativa é que, na Ásia, o quilo chega a US$ 150 mil.
No ano passado,
a Receita apreendeu 7,1 toneladas de cocaína no Porto de Santos. Das 26 ações
que resultaram em apreensões, a Europa aparece como destino ou ponto de
baldeação ao menos 20 vezes, em predominância que se repete ano após ano.
A África aparece
em sete casos; já a Ásia, em quatro. Ao mesmo tempo, o órgão de fiscalização
não registrou ocorrências relacionadas à Oceania no último ano em Santos, mas
um episódio recente em outro porto nacional chamou a atenção.
No fim do ano passado, a Receita, em ação conjunta com a Polícia Federal, apreendeu 600 quilos de cocaína localizados em uma carga para exportação no Porto do Pecém, na região metropolitana de Fortaleza. As remessas, que tinham Sydney como destino final, estavam escondidas em paredes e pisos de estruturas descritas como quiosques de praia. Dois suspeitos foram presos na Austrália.
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Segundo relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, de 2022, grupos criminosos no Brasil têm cada vez mais buscado portos menores no Nordeste e no Sul. O documento, que não cita quais terminais, aponta que a tendência era vista antes da covid-19, mas ganhou força na pandemia.
“Com a
intensificação da fiscalização, entre outras medidas visando a combater o
tráfico de drogas, nota-se que os traficantes têm diversificado o modo de
operação e se valido de outros portos com menos fiscalização, bem como levado
droga em barcos menores”, diz o chefe da Delegacia da Polícia Federal em
Santos, Daniel Coraça Júnior.
“Todo canal
utilizado pelo tráfico que começa a ter perdas, isto é, apreensões, é
imediatamente inutilizado e passa-se a tentar outro. Esse dinamismo dificulta o
trabalho policial, mas, ao mesmo tempo, é revelador de brechas de segurança que
são rapidamente estancadas”, afirma.
O delegado cita
o exemplo dos sea chests (tanques de mar), cujas apreensões caíram neste ano
após o aumento dos mergulhos. Como mostrou o Estadão, cresceu nos últimos anos
a modalidade de pacotes escondidos em casco de navio, até como resposta à
obrigatoriedade de realizar o escaneamento de cargas com destino à Europa.
Ação conjunta de PF, Receita e Marinha no início de 2023, por exemplo, apreendeu 293 kg de cocaína achados no casco de navio carregado de celulose. Os traficantes
usaram até anilhas de academia para fixar os pacotes no recipiente. O barco,
que ia para o Porto de Martas, na Turquia, estava ancorado na área de fundeio
do terminal de Santos quando foi vistoriado.
Na avaliação de
Coraça Júnior, Ásia e Oceania, de fato, têm despontado como nova rota. “No
âmbito da GLO, o efetivo do Nepom (Núcleo Especial de Polícia Marítima) da PF
foi reforçado por policiais em missão, o que possibilitou incremento na
frequência de fiscalizações”, afirma o delegado.
Em Santos,
segundo dados da Receita, o número de apreensões de 2023 ficou em menos da
metade do montante do ano anterior (16 toneladas), mas ainda assim é o mais
expressivo entre os portos brasileiros. Quando se leva em conta a série
histórica, o ápice foi em 2019, com a apreensão de 27 toneladas de cocaína. Os
portos de Antuérpia, na Bélgica, e Roterdã, na Holanda, são os principais
destinos das chamadas “remessas contaminadas”.
Neubarth reforça
que as ações da Receita e dos outros órgãos têm contribuído no combate ao
tráfico. Neste ano, afirma, ainda não foram notificadas apreensões de
entorpecentes em portos internacionais em carregamentos que tenham partido da
Baixada Santista.
PCC sofistica formas de enviar cocaína para outros
continentes
Para usar cascos
de navio no envio de remessas ilegais para o exterior, o crime organizado se
utiliza desde pequenos barcos até mergulhadores para levar os carregamentos.
Neubarth, da
Receita, afirma que, uma década atrás, o modus operandi mais comum era lançar
malas com drogas no contêiner. Com o avanço do uso de cães farejadores e de
scanners, principalmente em cargas com destino à Europa, essa modalidade foi substituída
por esquemas que buscam cooptar tripulantes e outros profissionais que
trabalhavam no porto.
Segundo ele, as
alternativas “da moda” agora são o içamento de cargas na área de fundeio e o
uso dos cascos de navio para esconder droga, molidade que bateu recorde no
último ano. Foram mais de 1,6 toneladas apreendidas no período só pela Marinha.
“A tendência dos últimos anos foi migrar para fora do terminal, depois do
scanner”, disse o delegado.
No ano passado,
houve desde casos de tabletes de droga escondidos em guindastes de navios a
episódios em que a cocaína foi inserida em contêineres com carregamentos de
açúcar e até de carne de frango congelada. O desafio da Receita hoje é atacar
não só as novas estratégias, como continuar as fiscalizações já tradicionais.
Ampliar escaneamento pode ter efeito positivo, diz
especialista
Para Gabriel
Patriarca, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a ampliação do
escaneamento obrigatório no Porto de Santos é positiva. “Do ponto de vista da
Alfândega, deve ser uma maneira de tentar ir cobrindo as tendências do tráfico,
se adaptando”, afirma ele, que estuda medidas de segurança em portos há pelo
menos seis anos.
Em Santos, os
resultados têm se mostrado positivos desde o início da implementação da medida
para fiscalizar remessas com destino a outros continentes, afirma o
pesquisador. “(A Europa) é o maior mercado consumidor de cocaína, então o foco
(do crime organizado) é lá. Posteriormente, vendo que a África havia se tornado
entreposto para a Europa, resolveram ampliar pra lá também”, diz.
Ao mesmo tempo,
Patriarca reforça que um dos maiores desafios de medidas preventivas é lidar
com o que descreve como deslocamento (ou efeito balão): quando se aperta a
fiscalização de um lado e isso, de certa forma, resvala em outro. “A princípio,
tornar obrigatório o escaneamento pra outros lugares pode ajudar a controlar
esses efeitos”, acrescenta o pesquisador.
Receita conta com 17 scanners e tem acesso a mais
de 3 mil câmeras
Atualmente, a
Alfândega conta com mais de 220 auditores-fiscais e analistas-tributários,
sendo que 47 deles entraram neste ano, após concurso recente. Foi esse
incremento que, segundo Neubarth, permitiu ampliar as ações, como a inclusão de
novos destinos na lista de escaneamento obrigatório.
A Receita tem
ainda 17 scanners de contêineres e acesso a mais de 3 mil câmeras de
monitoramento, além de três cães de faro e duas lanchas blindadas. Ao todo, o
órgão de fiscalização realiza em torno de mil verificações físicas por ano no
Porto de Santos, além de 300 rondas marítimas e 50 buscas em navio.
A Receita não
conta com mergulhadores, mas estuda formar profissionais desse tipo no futuro.
Hoje, as ações de inspeção de casco são realizadas por quatro mergulhadores da
Marinha. Desde novembro, o Porto de Santos recebe a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que também se estende para outros portos e aeroportos de Rio
e São Paulo, conforme decreto federal.
Cerca de 400
militares e um aparato de guerra foram deslocados para o Porto de Santos. Entre
os equipamentos, estão uma lancha blindada conhecida como “Caveirão do mar”, um
navio-patrulha considerado “tecnologia de ponta” na América Latina e até um
tanque de guerra já usado durante a expedição brasileira no Haiti. A ação deve
se estender até maio, mas há possibilidade de prorrogação.
Fonte: estadão
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