Dois movimentos ficaram marcados de maneira mais
intensa na região portuária de Santos durante o regime militar: 1978 e 1980 - Foto:
Arquivo A Tribuna |
Evidências
históricas apontam que Santos é um dos berços do movimento operário brasileiro.
Uma greve deflagrada em 1876 paralisou todas as padarias existentes na Cidade,
e um dos objetivos era a libertação de escravos. Onze anos antes da Abolição da
escravatura, em 1877, Santos viveu outra greve: carregadores de café batalhavam
por melhores condições salariais numa época em que o “ouro verde” era o
principal produto de exportação do Brasil.
Em 1891 ocorreu
uma paralisação que, de acordo com fontes históricas, consubstanciou-se na
primeira greve geral do País. Novas manifestações surgiram em 1905, 1908, 1912
e 1919, todas elas marcadas por grandes embates.
A predominância
do comunismo era evidente, razão pela qual ganharam popularidade as alcunhas
que intitulavam Santos como Moscouzinha, Cidade de Prestes e Porto Vermelho. As
expressões Cidade Vermelha e Porto Vermelho de Santos foram utilizadas por
Jorge Amado em Agonia da Noite (1954), para ilustrar uma batalha ideológica em
que estivadores comunistas se mobilizaram contra o carregamento de um navio
nazista que levaria café ao ditador espanhol Franco. Registros históricos
apontam que essa ilustração literária teve como pano de fundo um fato de 1946.
Em 7 de março
daquele ano, A Tribuna destacou na última página, destinada às matérias
urgentes, que estivadores se recusaram a trabalhar a bordo do paquete espanhol
Cabo de Buena Esperanza, em protesto contra a ditadura de Franco.
Todo esse
contexto fez com que houvesse uma “atenção especial” a Santos no regime
militar. Isso incluiu, lamentavelmente, a utilização de um navio-prisão, o Raul
Soares. Antônio Fernandes Neto e Adriana Gomes Santos registraram, na obra Nem os Pombos Apareceram no Cais, as seguintes observações: “As humilhações vieram
com o navio Raul Soares. Rebocado desde o Rio de Janeiro para Santos, serviu de
prisão e local para a tortura física e mental dos trabalhadores".
Nesse período do
regime militar, dois movimentos ficaram marcados de forma mais intensa na região
portuária de Santos. Em 15 de março de 1978, cerca de 500 estivadores se
revoltaram contra o atraso no pagamento de férias e 13º referentes a 1976 e
1977 e invadiram a sede do sindicato, que pelo sistema de closed shop
gerenciava a prestação de serviços de estiva.
É interessante
refletir sobre a influência que tal episódio pode ter exercido na criação do
Novo Sindicalismo. Ao se insurgirem contra o sindicato que os representava (ou
deveria representar), os estivadores desafiaram o próprio regime militar ao
promoverem uma manifestação arrojada, enfrentando a liderança sindical que
existia à época.
Os trabalhadores
portuários entraram em cena novamente e, num confronto direto com o governo
militar, paralisaram o maior Porto do Brasil e da América Latina de 17 a 21 de
março de 1980. Nessa época, ganhou força a Unidade Sindical Portuária, com a
congregação dos quatro sindicatos que representavam os trabalhadores da
Companhia Docas de Santos (CDS), antecessora da Companhia Docas do Estado de
São Paulo (Codesp) na gestão do Porto, a atual Autoridade Portuária de Santos
(APS).
O movimento
operário no Porto de Santos certamente contribuiu para o surgimento do Novo Sindicalismo.
Aliás, pode-se deduzir que os movimentos dos estivadores (1978) e doqueiros (1980)
de Santos estavam integrados sistematicamente com as grandes greves do ABC e
demais movimentos trabalhistas que eclodiram entre o final dos anos 1970 e
início dos anos 1980. Um exemplo pitoresco dessa integração foi retratado por
Adriana Santos e Antônio Fernandes, na obra já mencionada: “Houve dois momentos
de euforia desses trabalhadores grevistas: um quando Bacurau anunciou que 16
sindicatos apoiavam a categoria, criando um bônus de greve para sustentar a resistência,
e outro quando foi revelado que os metalúrgicos do ABC apoiavam os portuários e
ofereciam, como ajuda, 10 mil sanduíches”. Essa postura revolucionária se
estendeu pelas décadas seguintes no Porto Vermelho e ainda se faz presente no
século 21, sob a roupagem de um “anarcos sindicalismo pós-moderno”.
Fonte: A Tribuna – Por Lucas Rênio
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