Mais de
110 toneladas da droga foram apreendidas no Porto de Antuérpia, na Bélgica, em
2022
Com pouco mais de
500 mil habitantes, Antuérpia é mundialmente conhecida como a capital dos
diamantes. No entanto, o mercado que tem chamado a atenção das autoridades
europeias não está ali no centro histórico, mas na sua costa. Apenas em 2022,
foram apreendidas 110 toneladas de cocaína no porto da cidade, o que faz da
Bélgica o país com maior quantidade de apreensões de droga no continente.
As 110 toneladas
de cocaína recuperadas na Antuérpia são um número recorde. E essa é apenas uma
parte de um grande mercado: as autoridades estimam que só um décimo de toda a
cocaína enviada para o porto seja apreendida.
O enraizamento do
fluxo de narcotráfico na cidade tem sido sentido no noticiário policial. Nos
últimos meses, a cidade registrou mais de 50 explosões e tiroteios entre grupos
ligados ao comércio de drogas.
Um caso trágico
chamou a atenção da Europa recentemente. Uma menina de 11 anos foi morta com
cinco tiros dentro de casa em janeiro, após homens encapuzados metralharem o
imóvel. Na ocasião, o prefeito Bart De Wever admitiu que a cidade enfrentava
“uma guerra do tráfico.”
Uma entrada ampla e bem conectada
Quase toda a
cocaína que entra na Europa chega por via marítima, em geral, pelos grandes
portos comerciais do continente. Como para qualquer outra mercadoria, a
logística é um ponto-chave na cadeia da droga, como explica Isabela Vianna
Pinho, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos e do Instituto
Dinamarquês de Estudos Internacionais.
"Os portos têm
enormes fluxos diários de mercadoria, apresentando uma grande dificuldade para
as forças de segurança fiscalizarem tudo isso, enquanto têm de lidar com a
pressão dos atores econômicos para que não haja atrasos nas mercadorias",
aponta a socióloga, que estuda a circulação da cocaína.
Com 130 km², o Porto
de Antuérpia é o mais extenso da Europa e abriga um fluxo anual de mais de 200
milhões de toneladas de mercadorias. Além disso, a cidade, na fronteira com a
Holanda, está interligada a uma malha rodoviária e ferroviária instalada para
escoar tudo isso aos países do norte da Europa.
Os atrativos
logísticos se unem a fatores como a existência de um mercado próspero de ouro e
diamante, duas mercadorias que facilitam a lavagem de grandes somas de
dinheiro. Essas características tornaram o porto um "monstro do crime
organizado", como escreve o jornalista belga especializado em crime
Mitchell Prothero.
No Porto de
Antuérpia, os contêineres de frutas têm sido alvo importante do tráfico.
Frágil, a mercadoria tem urgência para saída da infraestrutura, o que dificulta
a fiscalização. Só no ano passado, as forças policiais encontraram cocaína no
porto belga no meio de cargas de cacau, de bananas e de abacates.
Contudo, este não
é o único ponto de entrada da droga, e nem é necessariamente o maior, alerta
Gabriel Feltran, pesquisador de sociologia do crime e professor na SciencesPo
Paris.
"O que o
volume de apreensão mostra não é necessariamente a entrada, pode ser sinal da
capacidade de controle em um porto, de operações de segurança. Pode estar
entrando até mais por outros países, e com menos fiscalização", afirma.
Em 2021, o porto
com maior quantidade de cocaína apreendida tinha sido o de Roterdã, na Holanda,
não muito longe de Antuérpia.
"O tráfico
vai se moldando, dependendo se um porto está mais fácil de entrar, dependendo
da fiscalização, de como os grupos criminosos estão se organizando",
reforça Vianna Pinho.
Mercado em expansão
Para além do
porto da Bélgica, as apreensões de cocaína no bloco europeu não param de
crescer, de acordo com o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência
(OEDT).
"Os volumes
excepcionalmente grandes de apreensão indicam um fluxo crescente de cocaína que
agora ameaça toda a União Europeia", alertou em fevereiro o diretor do
observatório europeu OEDT, Alexis Goosdeel.
Em 2010, a
polícia apreendeu 100 toneladas de cocaína no continente. Dez anos mais tarde,
o total já tinha mais do que dobrado.
O mercado da
cocaína é bilionário. O OEDT estima que o comércio da droga gire em torno de
US$ 10,5 bilhões (o equivalente a R$ 56,8 bilhões) apenas na Europa.
"A cocaína é
uma das mercadorias que mais se valoriza no mundo nessa cadeia de valores. Um
quilo de cocaína que sai por cerca de US$ 300 da Colômbia, quando chega na
Europa, esse quilo vai valer de US$ 70 mil a US$ 180 mil", aponta o
professor da SciencesPo.
Dos Andes à União Europeia
A maior parte
dessa cocaína é cultivada nos países andinos: Colômbia, Peru e Bolívia, aponta
o relatório mais rercente do mercado mundial de drogas publicado pelo
Escritório das Nações Unidas de Combate às Drogas e ao Crime.
Mas, das áreas de
produção até o consumidor final europeu, o trajeto é longo e passa,
frequentemente, pelos portos do Equador e do Brasil.
O Brasil é um
entreposto neste fluxo, aponta a socióloga Vianna Pinho. No caminho brasileiro,
a cocaína costuma entrar no país em pequenos aviões e é levada até os portos
por caminhões, de acordo com informações da Polícia Federal na Europol.
Na tentativa de
fugir da fiscalização e ampliar seus lucros, as organizações criminosas
multiplicam os caminhos e as estratégias de envio da droga. As maiores
apreensões ainda acontecem no Porto de Santos, em São Paulo, mas a cada ano
cresce o volume apreendido em Paranaguá (PR), Salvador (BA) e no Rio de Janeiro
(RJ).
Vianna Pinho, que
pesquisa a rota de saída de cocaína pelo Porto de Santos, conta que táticas
como a de envio de droga no corpo de tripulantes, a chamada "mula",
ou de embarque da droga a partir de barcos pequenos, que atracam no navio de
carga, ficaram no passado com o aumento do comércio transnacional.
Para o envio de
grandes quantidades, o uso de mergulhadores tem crescido. São mergulhadores
treinados que instalam a droga no casco do navio, em áreas muito abaixo da
linha do mar. A estratégia permite carregar centenas de quilos, sem o risco de
passar pela fiscalização do porto.
Mas as apreensões
feitas ainda se concentram em envios por contêiner, sejam quantidades
escondidas na estrutura do contêiner, sejam colocadas sobre a mercadoria, ou
ainda escondidas em meio à mercadoria.
Aumento de oferta e de consumo
O crescimento da
oferta do pó branco na Europa tem reduzido seu preço para o consumidor final.
Essa diminuição de custo tem consequências para o aumento do consumo, aponta o
sociólogo Gabriel Feltran.
Segundo o
observatório OEDT, 3,5 milhões de europeus entre 15 e 64 anos dizem ter usado a
droga nos últimos 12 meses. E mais de 14 milhões afirmam já ter consumido
cocaína durante a vida.
Autor/Fonte: Cristiane Capuchinho, da RFI
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários publicados não representam a opinião do Portal Segurança Portuária Em Foco. A responsabilidade é do autor da mensagem. Não serão aceitos comentários anônimos. Caso não tenha conta no Google, entre como anônimo mas se identique no final do seu comentário e insira o seu e-mail.