O volume
de contrabando e drogas Porto de Itaguaí o coloca como o nº 1 na preferência de
milicianos e traficantes do PCC
Escondido entre a
mata atlântica e a Baía de Sepetiba, a 90 km do Rio, o Porto de Itaguaí pode
passar despercebido se comparado aos maiores terminais marítimos do Brasil. Mas
o volume de contrabando e drogas que entram e saem por ali o coloca como o nº 1
na preferência de milicianos e traficantes do PCC.
De aparelhos
usados para piratear sinal de TV por assinatura a roupas de marca falsificadas
vendidas na 25 de Março, em São Paulo, tudo chega por Itaguaí.
Chegava
De 2018 para cá,
a Receita Federal do Brasil (RFB) começou a bater de frente com as gangues. Até
novembro do ano passado, já eram 700 kg de cocaína e 3.500 t de mercadorias
ilegais apreendidas.
Esta é a história
de como as forças de segurança se organizaram para estancar a sangria no porto
que reúne o maior número de apreensões de carga do país.
Milícias e piratas
Cercado por
grades e arame farpado e vigiado por câmeras 24 horas, um dos pátios do Porto
de Itaguaí abriga pilhas de até quatro contêineres uns sobre os outros,
recheados de apreensões. Ao todo, os itens recolhidos ocupam 500 contêineres.
Imitações de
iPhone, roupas, cuecas, relógios, raquetes, brinquedos e termômetros
infravermelho são alguns dos itens mais comumente confiscados no local.
Identificados,
eles têm três destinos: doação, se estiverem em bom estado; leilão, se puderem
gerar dinheiro para os cofres públicos; ou destruição, caso violem direitos
autorais ou haja componentes que façam mal à saúde.
Em uma área do
porto, sacos brancos de lona armazenam restos de peças de plástico preto, onde
se lê expressões como "5G" e "4K". São aparelhos de TV Box
Mais de 1 milhão
de dispositivos do tipo foram apreendidos em operações da Receita e da Polícia
Civil no porto entre 2020 e 2021.
A quantidade tem
relação com um fenômeno típico do Rio: o TV Box é usado para ofertar serviços
de "gatonet", uma das principais fontes de receita para as
comunidades controladas por milícias — e Itaguaí está cercado por elas.
“Eu me lembro de
que, por meses, a gente ia apontando os contêineres e, de cada quatro, três
tinham apreensões. São taxas, no contexto nacional, completamente fora do
normal, esdrúxulas, disse Raul dos Santos Gomes Pereira, chefe-substituto da
Coordenação Especial de Gestão de Riscos Aduaneiros da Receita Federal.
As Caixas de Mangas do PCC
Mangas recheadas
com cocaína também quase fizeram escala no Porto de Itaguaí.
As frutas foram
encontradas em 30 de setembro de 2021, quando policiais civis e federais
descobriram um galpão usado por traficantes na avenida Ponte Preta, a 20 km do
terminal.
Ao entrarem no
espaço, localizaram 120 caixas com mais de 1.500 mangas em uma câmara
refrigerada. Dentro das frutas, em vez de caroços, bexigas com cocaína. Ao
todo, 641,5 kg, avaliados em R$ 200 milhões.
Se os policiais
não tivessem agido, um caminhão levaria o carregamento até o porto. De lá, a
droga seguiria de navio para a Europa.
A sequência das
investigações revelou uma quadrilha com mais de 20 pessoas, espalhada por cinco
estados e ligada ao PCC (Primeiro Comando da Capital), que já usava terminais
como o de Itaguaí para exportar cocaína.
O caso das mangas
não foi único. Só em 2022, as Polícias Civil e Federal apreenderam, juntamente
com a Receita, mais de 700 kg de cocaína a caminho da Itália e outros países
por meio do terminal, escondidas em contêineres e tambores de massa corrida.
Funcionários da
Receita comentam que traficantes cariocas também descarregam drogas de
embarcações ancoradas na Baía de Sepetiba e usam os canais da foz do Rio Guandu
para entrar com o material em Antares e outras favelas da região.
“Itaguaí é um
porto num lugar muito isolado. Mas, ao mesmo tempo, num ponto logístico muito
bom, e a Receita tinha dificuldade de alocar gente lá. Então, os grupos criminosos
foram aproveitando uma eventual fraqueza e a coisa foi se instalando”, falou Raul
dos Santos Gomes Pereira.
A gangue dos auditores
O auditor fiscal
Josafá Beserra Siqueira fez um bom negócio em 5 de julho de 2017, de acordo com
dados de denúncia do Ministério Público Federal. Naquela data, comprou por R$
800 mil o apartamento 201 do condomínio Well Sunset, na avenida Lúcio Costa, no
Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio.
Avaliado em R$
1,7 milhão, o imóvel foi vendido apenas dois meses depois aos proprietários da
cobertura do prédio por R$ 2,2 milhões. Os investigadores concluíram que as
transações foram feitas com dinheiro vivo, já que não havia registro de
movimentação dos valores nas contas do servidor.
Obtidos pelo UOL
por meio da Lei de Acesso à Informação, os dados fazem parte de uma
investigação realizada entre 2014 e 2019. De acordo com a denúncia, auditores
recebiam suborno e vendiam laudos técnicos em troca de facilidades para empresas.
Roupas e outros
produtos eram misturados a itens que pagam impostos mais baratos para entrar no
país com tributação menor — entre outras manobras.
Num dos casos, a
quadrilha registrava peso de 0,5 g para canetas importadas que pesam de 8 g a
10 g, a fim de reduzir o valor final da taxação que incidia sobre as
mercadorias. A rua 25 de março em são Paulo, era o destino do contrabando.
Siqueira não foi
o único do bando a se beneficiar. Segundo os investigadores, Cláudia Abreu
Cavalcante comprou em 2015 um apartamento no Barramares, um dos mais antigos
condomínios da Barra da Tijuca, por R$ 510 mil. De acordo com a denúncia, um
imóvel ali dificilmente custaria menos de R$ 2 milhões.
Em outra
transação, ela pagou R$ 80 mil por uma casa no bairro do Joá. O imóvel era
avaliado em R$ 750 mil.
Procurada pelo
UOL, Cláudia não retornou à reportagem. Já Siqueira faleceu em setembro último.
A 7ª Vara Federal Criminal informou que a ação ao qual os dois respondem corre
hoje sob segredo de Justiça e ainda não foi julgada.
“Não aceitamos
que a região se tornasse controlada pelo crime”, disse Flávio Passos Coelho,
superintendente da Receita Federal na 7ª Região Fiscal.
Quem manda no porto
"O pau
quebrou muito sério lá. A chapa era muito quente."
É assim que Raul
dos Santos Gomes Pereira, chefe substituto da Coordenação Especial de Gestão de
Riscos Aduaneiros da Receita Federal, resume a contraofensiva do órgão em
Itaguaí, com a intensificação dos exames físico e documental de cargas em
operações com Marinha, Polícia Rodoviária Federal e outras instituições.
Nos últimos cinco
anos, 22,4 mil t de produtos ilegais foram apreendidas em Itaguaí, 5.000 t a
mais do que o que foi capturado no porto de Santos, o maior da América Latina.
O valor das mercadorias retidas nesse período está estimado em R$ 1,4 bilhão,
contra R$ 1 bilhão em Santos.
Só entre 2020 e
2021, houve queda de 45% para 10% na fatia das chamadas empresas "de alto
risco" que atuam no porto de Itaguaí.
"Foi
estancada a sangria", afirma Élcio Ferreto da Silva, delegado da Receita
responsável pelo porto.
“Eles apostavam que ia ser um voo de galinha e
tudo voltaria a ser como era antes. A gente olhava as apreensões e falava:
'Esses caras não vão parar? Quanto tempo mais?”, falou Raul dos Santos Gomes
Pereira.
Tem que manter
Em 2019, o então
delegado da Receita em Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, compartilhou com
colegas um texto no qual afirmava sofrer pressões por conta de seu trabalho. À
época, circulou entre os auditores a informação de que a fiscalização no porto
incomodava membros do governo em Brasília - o que a Receita Federal sempre
negou. Procurado pelo UOL, José Alex Nóbrega de Oliveira disse que prefere não
comentar o episódio.
"Controle
aduaneiro é uma atividade difícil e que envolve vários interesses econômicos,
eventualmente até de organizações criminosas", afirma Isac Falcão,
presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do
Brasil.
Até hoje, Falcão
não sabe quem queria tirar Oliveira de Itaguaí e quais seriam as razões para
isso. Apesar da crise, o delegado se manteve no cargo até 2021, quando Élcio
Ferreto da Silva assumiu a função, até hoje desempenhada por ele.
Após as
intervenções realizadas nos últimos anos e o recorde de apreensões, a
expectativa na Receita é que Itaguaí registre um menor fluxo de cargas
irregulares nos próximos tempos. Apesar de comemorar os resultados, o delegado
da Silva sabe que o trabalho está apenas começando.
“Neste trabalho
que a gente faz, a preocupação é manter. É como diz uma personagem no filme
'Cidade de Deus': 'O malandro não para, o malandro dá um tempo'. Se a gente
parar o que a gente está fazendo, daqui a pouco esse pessoal volta”, disse Élcio
Ferreto da Silva, delegado da Receita no Porto de Itaguaí desde 2021.
Fonte: site UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários publicados não representam a opinião do Portal Segurança Portuária Em Foco. A responsabilidade é do autor da mensagem. Não serão aceitos comentários anônimos. Caso não tenha conta no Google, entre como anônimo mas se identique no final do seu comentário e insira o seu e-mail.