Pesquisadores
e policiais apontam uso crescente de cargas de origem florestal na exportação
de drogas — madeira de crime ambiental é hoje uma das principais “maquiagens”
Os
produtos florestais, frequentemente oriundos de crimes ambientais, vêm servindo
cada vez mais de maquiagem para o envio de drogas ao exterior. O destaque vai
para as cargas de madeira, campeãs de apreensões nos contêineres enviados do
Brasil à Europa.
Pesquisas
recentes já apontam o volume significativo de exploração ilegal no mercado
madeireiro nacional e sua relação com o desmatamento na Amazônia. Segundo um
estudo da ONG Imazon publicado em 2020, cerca de 70% da madeira explorada no
Pará entre agosto de 2017 e julho de 2018 tinha origem ilícita — a exploração
ocorreu em áreas onde não havia autorização do Estado.
Além
de apontar a grilagem e a extração ilegal de madeira como duas das principais
causas do desmatamento, o relatório “Máfias do Ipê”, produzido pela ONG Human
Rights Watch em 2019, mostrou a relação dessa atividade com a violência. A
pesquisa analisou 28 casos de assassinatos, 4 tentativas de assassinato e
outros 40 casos de ameaças relacionadas à extração ilegal de madeira entre 2015
e 2019.
A
novidade apontada pelos entrevistados é a sobreposição cada vez maior das rotas
entre as facções criminosas do narcotráfico e os grupos ligados aos crimes ambientais.
Pesquisadores dizem que o crime ambiental pode estar servindo como uma nova
forma de capitalização para os narcotraficantes, com indícios do uso de cargas
de origem florestal para maquiar o envio de drogas ao exterior.
A
situação é apontada por fontes ligadas à Polícia Federal (PF) e por
pesquisadores da área de segurança pública ouvidos pela Pública. “O principal
produto florestal usado para a exportação de drogas para a Europa é a madeira”,
afirma Aiala Couto, geógrafo da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e
pesquisador associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ao Instituto
Clima e Sociedade. Couto desenvolve uma pesquisa a ser publicada neste ano que
trata da territorialização do crime organizado na Amazônia e a relação deste com
os crimes ambientais. Segundo ele, os produtos minerais, com destaque para o
manganês, ocupam o segundo lugar na lista de apreensões.
Um
levantamento da Pública feito com base em notícias das apreensões nos sites
oficiais do governo e na imprensa identificou ao menos 16 grandes apreensões de
cocaína em cargas de madeira destinadas à exportação por via marítima entre
2017 e 2021. Ao todo, as apreensões somaram cerca de 9 toneladas da droga
e tinham como destino países europeus como Espanha, Bélgica, França, Alemanha,
Portugal, Itália e Eslovênia. Elas ocorreram com mais frequência em portos do
Sul e Sudeste do Brasil em cargas de madeira em toras, vigas, pallets e
laminados.
A
pesquisa de Couto mostra que cerca de 9 toneladas de drogas foram apreendidas
na Amazônia Legal — principalmente cocaína e maconha —, vindas do Suriname,
Colômbia, Bolívia, Venezuela e Peru entre 2017 e 2020. As drogas vieram
principalmente por via fluvial e terrestre. Os dados foram compilados também em
notícias a respeito das apreensões. A informação colhida pelo pesquisador
aponta para uma sobreposição entre áreas onde há apreensão de madeira ilegal e
contrabando de minério e áreas de apreensão de drogas.
De
acordo com informações da Receita Federal repassadas à Pública, mais de 2 toneladas
de narcóticos acondicionados em produtos de origem extrativista foram
apreendidas somente no Porto de Santos (SP) entre 2019 e 2021. As drogas foram
encontradas em pallets de madeira, fibras de amianto, cargas de grafite,
microssílica e corindo (mineral à base de óxido de alumínio).
Segundo
o delegado titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF no
Amazonas, Victor Mota, já se constatou que a madeira é a carga mais usada pelo
narcotráfico na exportação de drogas. “A gente já fez um levantamento das
exportações do tráfico de drogas para a Europa e a primeira carga disparada
[onde as drogas são escondidas] é a madeira. Seja na forma de móveis, seja na
forma de vigas, seja em outras formas. A principal forma que eles escondem a
droga para o envio para a Europa é a madeira”, diz o delegado, em entrevista à
Pública. Segundo Mota, essa informação consta em um levantamento interno já
produzido pela PF, mas a instituição negou o acesso ao documento após um pedido
da reportagem.
Facções veem crimes
ambientais como oportunidade de acumular capital
“As
rotas que são utilizadas para o tráfico de drogas também são utilizadas para o
contrabando de madeira, e algumas estão próximas em áreas de contrabando de
minério, sobretudo na exploração ilegal de ouro”, afirma o pesquisador Aiala
Couto. “Há uma mistura nessas relações [entre o narcotráfico e os crimes
ambientais]. E isso faz com que a gente consiga associar o discurso do governo
em relação à questão ambiental com esse fortalecimento das ações dessas
atividades criminosas que dizem respeito ao meio ambiente. Isso possibilitou
que grupos criminosos organizados enxergassem esses crimes como uma
possibilidade dentro do seu campo de ação para acumulação de capital”,
argumenta.
Couto
aponta que já há registros de facções criminosas comprando ilegalmente áreas de
floresta para lucrar com a exploração ilegal de madeira e até mesmo para montar
áreas de produção de maconha, como tem ocorrido no chamado “polígono da
maconha” ou “polígono do capim”, situado no nordeste do Pará, nos municípios de
São Domingos do Capim, Concórdia do Pará, Bujaru, Tomé-Açu, Cachoeira do Piriá,
Nova Esperança do Piriá, Garrafão do Norte, Moju e Tailândia.
A
pesquisa de Couto registra a apreensão de mais de 2 milhões de pés de maconha
na Amazônia Legal entre 2015 e 2020, 55% do total apreendido no estado do Pará,
com grande destaque para os municípios do polígono. Em agosto de 2020, a
Operação Colheita Maldita, deflagrada em conjunto pela PF e pela Polícia Civil
do Pará, apreendeu cerca de 200 toneladas de maconha no nordeste paraense (mais
de 400 mil pés). Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), já há registros de
conflito entre traficantes e comunidades tradicionais, como um caso de ataque
de piratas à comunidade ribeirinha de Itamimbuca, no município de Igarapé-Miri,
ocorrido em janeiro deste ano.
Os
produtos florestais, frequentemente oriundos de crimes ambientais, vêm servindo
cada vez mais de maquiagem para o envio de drogas ao exterior. O destaque vai
para as cargas de madeira, campeãs de apreensões nos contêineres enviados do
Brasil à Europa.
Pesquisas
recentes já apontam o volume significativo de exploração ilegal no mercado
madeireiro nacional e sua relação com o desmatamento na Amazônia. Segundo um
estudo da ONG Imazon publicado em 2020, cerca de 70% da madeira explorada no
Pará entre agosto de 2017 e julho de 2018 tinha origem ilícita — a exploração
ocorreu em áreas onde não havia autorização do Estado.
Além
de apontar a grilagem e a extração ilegal de madeira como duas das principais
causas do desmatamento, o relatório “Máfias do Ipê”, produzido pela ONG Human
Rights Watch em 2019, mostrou a relação dessa atividade com a violência. A
pesquisa analisou 28 casos de assassinatos, 4 tentativas de assassinato e
outros 40 casos de ameaças relacionadas à extração ilegal de madeira entre 2015
e 2019.
A
novidade apontada pelos entrevistados é a sobreposição cada vez maior das rotas
entre as facções criminosas do narcotráfico e os grupos ligados aos crimes
ambientais. Pesquisadores dizem que o crime ambiental pode estar servindo como
uma nova forma de capitalização para os narcotraficantes, com indícios do uso
de cargas de origem florestal para maquiar o envio de drogas ao exterior.
A
situação é apontada por fontes ligadas à Polícia Federal (PF) e por
pesquisadores da área de segurança pública ouvidos pela Pública. “O principal
produto florestal usado para a exportação de drogas para a Europa é a madeira”,
afirma Aiala Couto, geógrafo da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pesquisador
associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ao Instituto Clima e
Sociedade. Couto desenvolve uma pesquisa a ser publicada neste ano que trata da
territorialização do crime organizado na Amazônia e a relação deste com os
crimes ambientais. Segundo ele, os produtos minerais, com destaque para o
manganês, ocupam o segundo lugar na lista de apreensões.
Um
levantamento da Pública feito com base em notícias das apreensões nos sites
oficiais do governo e na imprensa identificou ao menos 16 grandes apreensões de
cocaína em cargas de madeira destinadas à exportação por via marítima entre
2017 e 2021. Ao todo, as apreensões somaram cerca de 9 toneladas da droga
e tinham como destino países europeus como Espanha, Bélgica, França, Alemanha,
Portugal, Itália e Eslovênia. Elas ocorreram com mais frequência em portos do
Sul e Sudeste do Brasil em cargas de madeira em toras, vigas, pallets e
laminados.
A
pesquisa de Couto mostra que cerca de 9 toneladas de drogas foram apreendidas
na Amazônia Legal — principalmente cocaína e maconha —, vindas do Suriname,
Colômbia, Bolívia, Venezuela e Peru entre 2017 e 2020. As drogas vieram
principalmente por via fluvial e terrestre. Os dados foram compilados também em
notícias a respeito das apreensões. A informação colhida pelo pesquisador
aponta para uma sobreposição entre áreas onde há apreensão de madeira ilegal e
contrabando de minério e áreas de apreensão de drogas.
De
acordo com informações da Receita Federal repassadas à Pública, mais de 2
toneladas de narcóticos acondicionados em produtos de origem extrativista foram
apreendidas somente no Porto de Santos (SP) entre 2019 e 2021. As drogas foram
encontradas em pallets de madeira, fibras de amianto, cargas de grafite,
microssílica e corindo (mineral à base de óxido de alumínio).
Segundo
o delegado titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da PF no
Amazonas, Victor Mota, já se constatou que a madeira é a carga mais usada pelo
narcotráfico na exportação de drogas. “A gente já fez um levantamento das
exportações do tráfico de drogas para a Europa e a primeira carga disparada
[onde as drogas são escondidas] é a madeira. Seja na forma de móveis, seja na
forma de vigas, seja em outras formas. A principal forma que eles escondem a
droga para o envio para a Europa é a madeira”, diz o delegado, em entrevista à
Pública. Segundo Mota, essa informação consta em um levantamento interno já
produzido pela PF, mas a instituição negou o acesso ao documento após um pedido
da reportagem.
Facções veem crimes
ambientais como oportunidade de acumular capital
“As
rotas que são utilizadas para o tráfico de drogas também são utilizadas para o
contrabando de madeira, e algumas estão próximas em áreas de contrabando de
minério, sobretudo na exploração ilegal de ouro”, afirma o pesquisador Aiala
Couto. “Há uma mistura nessas relações [entre o narcotráfico e os crimes
ambientais]. E isso faz com que a gente consiga associar o discurso do governo
em relação à questão ambiental com esse fortalecimento das ações dessas
atividades criminosas que dizem respeito ao meio ambiente. Isso possibilitou
que grupos criminosos organizados enxergassem esses crimes como uma
possibilidade dentro do seu campo de ação para acumulação de capital”,
argumenta.
Couto
aponta que já há registros de facções criminosas comprando ilegalmente áreas de
floresta para lucrar com a exploração ilegal de madeira e até mesmo para montar
áreas de produção de maconha, como tem ocorrido no chamado “polígono da
maconha” ou “polígono do capim”, situado no nordeste do Pará, nos municípios de
São Domingos do Capim, Concórdia do Pará, Bujaru, Tomé-Açu, Cachoeira do Piriá,
Nova Esperança do Piriá, Garrafão do Norte, Moju e Tailândia.
A
pesquisa de Couto registra a apreensão de mais de 2 milhões de pés de maconha
na Amazônia Legal entre 2015 e 2020, 55% do total apreendido no estado do Pará,
com grande destaque para os municípios do polígono. Em agosto de 2020, a
Operação Colheita Maldita, deflagrada em conjunto pela PF e pela Polícia Civil
do Pará, apreendeu cerca de 200 toneladas de maconha no nordeste paraense (mais
de 400 mil pés). Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), já há registros de
conflito entre traficantes e comunidades tradicionais, como um caso de ataque
de piratas à comunidade ribeirinha de Itamimbuca, no município de Igarapé-Miri,
ocorrido em janeiro deste ano.
Deflagrada
em agosto de 2020, a Operação Colheita Maldita destruiu milhares de pés de
maconha no nordeste do Pará, em área chamada de “polígono da maconha”
“Há
relatos de pessoas envolvidas em conflitos agrários com essa questão [das organizações
criminosas]”, afirma a coordenadora do Núcleo de Questões Agrárias e Fundiárias
do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA), Ione Nakamura. A promotora,
porém, diz que o tema ainda é incipiente no MP e que nunca foi alvo de
investigação da promotoria agrária.
Há
associação de grupos criminosos com grupos econômicos que já exploram
ativamente o garimpo ilegal na Amazônia, como revelado pela Amazônia Real no
caso dos garimpos clandestinos situados em áreas Yanomami, em Roraima.
Mais
do que o mero compartilhamento de rotas, Couto vê um entrelaçamento crescente
entre o narcotráfico e o crime ambiental que acelerou acompanhando a disputa
dos grupos criminosos pelas principais rotas da Amazônia, que frequentemente
coincidem com as dos crimes ambientais. Apesar disso, o combate ao crime na
Amazônia por vezes desconsidera essa ligação e isso acaba por fortalecer as
facções. “Há várias áreas da Amazônia onde existe esta sobreposição entre estas
atividades criminosas como o garimpo ilegal, a exploração ilegal de madeira, o
narcotráfico”, argumenta Aiala. “Nós temos um governo que se elegeu com a
bandeira da segurança pública, mas que não consegue enxergar que existe essa
relação entre segurança pública e o meio ambiente. E toda a narrativa, o
discurso e a ação [do governo] potencializou o crescimento do crime organizado
na Amazônia hoje. Os números se intensificaram do governo Bolsonaro para cá. O
crime organizado tem que ser entendido para além da sigla PCC e Comando
Vermelho, por exemplo, há grupos que se envolvem no garimpo ilegal, na grilagem
de terras, na extração ilegal de madeira, no contrabando de ouro, na invasão de
terras indígenas. Esses grupos criam empresas, lavam dinheiro, participam do
contrabando, do tráfico de drogas e armas. A relação é ampla e complexa”,
alerta.
Para
o ex-superintendente da PF no Amazonas, o delegado Alexandre Saraiva, as
punições leves para os crimes ambientais na legislação e a possibilidade de
lucros atraem cada vez mais as organizações criminosas para o crime ambiental. “Há
uma simples análise de risco por parte do criminoso. Ele olha lá na legislação
ambiental e vê que, se for aplicada apenas a legislação ambiental, ela é
extremamente limitada. Ele não precisa pensar muito. É possível ver pessoas
ligadas às organizações criminosas atuando no comércio ilegal de madeira”, diz
Saraiva, que comandou uma das maiores operações de combate à madeira ilegal da
história do país, a Operação Arquimedes.
Barcarena ganha
importância na saída de drogas da Amazônia ao exterior
O
Porto de Vila do Conde (PVP), em Barcarena, vem se consolidando como uma das
principais rotas de saída de entorpecentes da Amazônia para a Europa. É comum
que cargas de entorpecentes saiam de lá e passem por portos do Sul e Sudeste do
país, como os de Santos e Paranaguá (PR), antes de ir ao exterior, mas é cada
vez mais frequente o envio direto. “Quanto à remessa da cocaína para outros
países, o que se tem notado é a utilização de outros portos para despachar a
droga, na espécie, pode-se citar o porto de Vila do Conde no estado do Pará”,
afirmou em entrevista ao Valor Econômico, o delegado Elvis Secco,
ex-coordenador-geral de Polícia de Repressão a Drogas e Facções Criminosas
(CGPRE) da PF.
Barcarena
já é uma região fértil em conflitos agrários, segundo os dados da CPT. A
organização registra mais de 12 mil famílias envolvidas em conflitos de água e
terra no município entre 2011 e 2021 e mais de 22 casos de violência contra
pessoas no campo no mesmo período (incluindo dois assassinatos). A crescente
importância do local como rota do narcotráfico pode agravar o quadro de
violência geral nas áreas urbanas e rurais da cidade.
Operações
recentes da PF e da Polícia Civil do Pará vêm focando as exportações por
Barcarena e a violência em municípios próximos nos últimos anos. É o caso, por
exemplo, da Operação Flashback, que, deflagrada pela PF em 2017, desarticulou
uma organização criminosa que tinha dois portos como polos principais de suas
operações. O Porto de Paranaguá e o Porto de Vila do Conde, em Barcarena. Este
era comandado, segundo as investigações, por Antônio Salazar Nuez, chamado de
“Tony Filipino”. Nascido nas Filipinas e baseado em Belém (PA), Tony foi
descrito pelo Ministério Público Federal (MPF) como “idealizador do esquema de
tráfico de drogas para a Europa, a partir do Porto de Vila do Conde no
Pará”.
Segundo
o MPF, Tony aliciava tripulantes, normalmente conterrâneos filipinos, de
embarcações que iam a países do exterior. Ainda em 2015, diálogos interceptados
pela PF mostraram que ele articulou o envio de cocaína em uma carga de madeira
destinada à Turquia. Tony foi condenado a 24 anos de prisão por enviar
outros 22 kg de cocaína para a Bélgica e atualmente cumpre pena em regime
fechado.
Operações
mais recentes vêm confirmando a importância da região portuária de Barcarena na
rota do narcotráfico na Amazônia. Em março deste ano, a Polícia Civil do Pará
apreendeu 120 kg de cocaína, que, distribuídos em 117 tabletes, seriam
exportadas à Europa em vigas de madeira. Quatro pessoas foram presas e uma
quantia de aproximadamente R$ 200 mil em espécie foi apreendida pelos
policiais. A polícia informou, segundo decisões judiciais, que a operação é
resultado de mais de um ano de investigações sobre um suposto esquema de envio
de drogas ao exterior que já movimentou “milhões de dólares, euros e reais em
um complexo sistema de remessa de cocaína para destinos variados”.
Um
dos suspeitos apontados como líder do esquema possui uma empresa regularizada
na Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) do Pará para exportação de madeira
pelo porto de Vila dos Cabanos, outro distrito de Barcarena. Segundo a polícia,
a droga era acondicionada nas toras de madeira e posteriormente vendida a
clientes no exterior. O processo segue em sigilo de justiça. Nem a Polícia
Civil nem o MP-PA quiseram dar entrevista à Pública.
Para
o delegado Victor Mota, uma legislação ambiental frágil pode acabar colaborando
para que outros crimes, como a exportação de drogas, cresçam. Um exemplo é o
despacho 7036900, de fevereiro de 2020, publicado pelo ex-presidente do Ibama
Eduardo Bim, que foi afastado do cargo por determinação judicial. O despacho
motivou as investigações que culminaram na Operação Akuanduba, que tem o
ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e Bim como investigados.
O
documento dispensava a autorização do Ibama para as exportações de madeira, mas
foi suspenso por decisão do ministro Alexandre de Moraes em maio deste ano.
“Isso facilita [o envio de drogas ao exterior]. É uma coisa que acaba puxando a
outra. Se você não tem uma fiscalização de que tipo de madeira está ali, o
quanto de madeira está sendo transportado, se essa madeira pode ser exportada,
de onde ela foi retirada. Se você não tem essa primeira desconfiança quanto ao
material, como a gente vai desconfiar que lá dentro tem ou não entorpecente? Se
você começa a criar uma vista grossa com esse material, os caras vão cada vez
mais usar aquilo como esconderijo”, avalia.
O
delegado Victor Mota foi responsável por uma das operações mais recentes a
relacionar crimes ambientais e pessoas ligadas ao narcotráfico. Deflagrada em
julho de 2020, a Operação Schelde investigou quem estava por trás do envio de
250 kg de cocaína para a Bélgica em uma carga de vigas de madeira de origem
ilícita em 2019. A investigação foi recém-concluída pela PF e mostra a
participação de pessoas com passado vinculado a facções criminosas no esquema.
Do Brasil à Bélgica: a
cocaína escondida num contêiner de madeira
Em
seis de junho de 2019, uma carga de madeira oriunda do Brasil foi interceptada
no porto de Antuérpia, na Bélgica. Os policiais belgas se surpreenderam quando
fiscalizavam um contêiner de madeira em vigas enviado pela empresa brasileira
J. S. Comércio Varejista de Ferragens e Ferramentas, sediada em Manaus (AM). O
motivo da surpresa: as autoridades belgas encontraram 250 kg de cocaína
refinada na carga de madeira, que tinha como destino a Holanda.
A
polícia belga imediatamente alertou a PF no Brasil. Foi ali o início de uma
investigação de dois anos, conduzida pela PF no Amazonas e recentemente
encaminhada para análise do MPF. Para a PF, a J. S. era uma empresa de fachada
usada por pessoas com passado ligado ao tráfico de drogas e a facções
criminosas para maquiar o envio de drogas ao exterior. A madeira tinha origem
ilegal segundo o inquérito policial.
A
J. S. tem como único sócio Gil Vicente Valle Miraval. No decorrer das
investigações, os policiais o classificaram como o protagonista da empreitada
que levou os 250 kg de Manaus à Bélgica. Com a quebra de seus sigilos bancário
e telemático, a PF descobriu que ele se encontrava na Europa no período em que
estava prevista a chegada da carga de cocaína, transitando entre a Holanda e a
Bélgica. “As investigações apontam que ele faria o recebimento da droga na
Europa, receberia o valor do comprador e voltaria ao Brasil com esse valor em
espécie, coisa que ele já tentou fazer em outra ocasião”, afirma em entrevista
à Pública o delegado Victor Mota, responsável pela investigação.
Descobriu-se
também, em conversas obtidas com as quebras de sigilo, que Gil Vicente estava
negociando carregamentos de maconha com outros contatos.
Dívida com suposto
fornecedor da Família do Norte
Na
quebra de sigilo telemático de Gil Vicente, apareceram comunicações com
Osmerino Muca de Souza. Osmerino é um velho conhecido da PF amazonense. Em
2015, ele foi preso na Operação La Muralla, a primeira grande operação da PF
que atingiu em cheio a facção criminosa Família do Norte (FDN).
No
relatório final da Operação La Muralla, Osmerino é descrito como um dos
principais comparsas do colombiano Juan Angel Ocampo Cruz, vulgo “Chinês”,
apontado com um dos grandes fornecedores de drogas do líder da FDN, José
Roberto Fernandes Barbosa, o “Zé Roberto da Compensa”, que cumpre pena de
130 anos de prisão na Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande
(MS).
Em
setembro de 2015, Osmerino foi preso junto com Chinês em um sítio de sua
propriedade, no município de Manacapuru (AM), na região metropolitana de
Manaus. Na ocasião, a PF apreendeu 27 kg de cocaína e outros 217 kg de maconha,
além de armas de grosso calibre.
Na
investigação contra Gil Vicente, a PF encontrou registros de contatos
telefônicos entre ele e Osmerino. “Essas ligações por vezes falavam de dívidas
e de uma antecipação de uma certa quantidade de dinheiro. Se a gente analisar
os antecedentes do Osmerino, ele já foi preso e nós temos informações que ele,
depois de solto, continuava praticando o crime de tráfico de drogas”, explica o
delegado Victor Mota. “Para mim ficou claro que ele [Osmerino] servia como um
fornecedor de entorpecentes”, explica, referindo-se ao envio de drogas para a
Bélgica.
Em
julho do ano passado, houve a fase ostensiva das investigações. Batizada de
Operação Schelde, em referência ao rio que banha o porto de Antuérpia, a PF
cumpriu sete mandados de busca e apreensão e dois de prisão contra Gil Vicente
e Osmerino.
Concluído
pela PF, o caso está em análise pelo MPF no Amazonas. O procurador responsável,
Filipe Pessoa de Lucena, do 11o Ofício da Procuradoria da República no
Amazonas, não quis dar entrevista à Pública. Gil Vicente foi solto e está em
liberdade condicional desde dezembro de 2020, aguardando a manifestação do MPF.
Osmerino não teve o pedido de liberdade condicional aceito pela Justiça e segue
em prisão temporária.
A
Pública buscou contato com o advogado de Gil Vicente, Euthiciano Mendes Muniz,
em um número de telefone informado em um pedido de liberdade provisória, e
enviou a ele quatro perguntas sobre os fatos imputados pela PF, mas não houve
resposta até o fechamento. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de
Osmerino. Histórias como essa precisam
ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não
fiquem escondidas por trás de interesses escusos.
Fonte: apublica - Texto: Ciro Barros
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