Criminoso
age na mata do entorno do Porto de Santos, onde, segundo a Polícia Civil, é
chefe da segurança do tráfico internacional da facção
No dia 7 de
junho, um admirador entrou no perfil Falujasiria, no Instagram, que pertence a
André Luiz dos Santos, o Keko, e escreveu um comentário em uma foto do bandido
com seu fuzil: “Tá na mídia paizão tá passando no Kwai e TikTok direto. Brabo demais”.
Keko tem outros
quatro perfis na rede social com imagens de seu treinamento e preparo na selva
da Baixada Santista. Sua história se confunde com as lendas criadas em torno de
seu nome. Ela está registrada em uma investigação criminal.
Nos dois últimos
anos, Keko atirou em policiais, quase derrubou um helicóptero da PM e chegou a
se esconder, segundo a Polícia Civil, na Bolívia. O Grupo de Atuação Especial e
Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, acredita
agora que ele está de volta à mata do mangue ao redor do Porto de Santos, onde
é um dos chefes da segurança do tráfico internacional de drogas, mantido pelo
Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo relatório
secreto da polícia, Keko “vive na mata desde meados de 2008 quando foi
condenado a nada menos que 92 anos de reclusão, mas, ao que tudo indica, nunca
esteve isolado”. Sua rede de proteção contaria com a participação de Rafael da
Silva Martins, o Marrom, apontado como o chefe do tráfico de drogas na Vila
Esperança, em Cubatão.
O material apreendido
nas investigações permitiu à polícia concluir que Keko mantém uma estrutura
capaz de escondê-lo de forma discreta, mas sem que lhe falte o mínimo, “como
água, luz, e algo importantíssimo, o acesso à internet!”.
O Estadão
reconstruiu os últimos passos dessa caçada ao homem que se comporta como um
guerrilheiro. Os lances mais recentes começaram em 2 de abril de 2020.
Naquele dia, o
capitão Bruno, da PM, pilotava uma das aeronaves Águia, da corporação, quando
avistou uma embarcação de alumínio de cerca de 12 pés de comprimento. A
patrulha aérea sobrevoava o mangue, em São Vicente, onde corre o Rio Boturoca.
Os ocupantes do
barco levavam dois tonéis azuis, semelhantes aos usados por traficantes para
esconder entorpecentes na mata. Quando perceberam a aproximação da polícia,
eles manobraram a embarcação para baixo da vegetação ribeirinha.
O piloto do helicóptero
tentou se aproximar, mas os bandidos atiraram com fuzis. Alvejaram quatro vezes
a aeronave, comprometendo o comando dos pedais, o que obrigou o piloto a fazer
um pouso de emergência.
Reação
A PM reagiu e
despachou para lá quatro equipes do Comando de Operações Especiais (COE).
A nova incursão
começou em 8 de abril, em uma pequena ilha do Rio Boturoca. Duas patrulhas
avançaram pela terra e duas se aproximaram pelo mar em embarcações apropriadas
para ações de comando.
Quando as
patrulhas marítimas se aproximavam da ilha, traficantes atiraram com fuzis. O
policial Rodrigo Tadeu Rodrigues foi atingido no punho direito e seu
companheiro Julio Cesar Reis foi ferido na coxa esquerda. Uma rápida operação
de resgate foi montada para transferir os baleados para hospitais de São Paulo.
O COE permaneceu
por mais de 24 horas na região de mata fechada. Vasculharam cada pista deixada
pelos bandidos – não muito longe dali, um suspeito seria baleado perto da linha
férrea Santos-Jundiaí.
Apesar do cerco,
Keko e seus homens fugiram, deixando para trás drogas, explosivos, munições,
balanças de precisão e a contabilidade do tráfico.
A maioria da
cocaína apreendida estava nos tonéis plásticos, em esconderijos cavados na
terra. Uma parte menor foi achada em cima de uma bancada, em porções de cerca
de um quilo. Os policiais haviam, pela primeira vez, desbaratado um dos bunkers
de Keko.
O lugar tinha câmeras de monitoramento para vigiar o seu entorno, além de uma rede de casamatas usadas para repelir invasores.
Parte da droga
armazenada ali serviria para abastecer a comunidade da Vila Esperança. Outra
era levada à noite por Keko e suas equipes até o porto, onde mergulhadores do
PCC prendiam o entorpecente em navios com destino à Europa.
Lá, outros
mergulhadores ligados à facção ou aos seus parceiros europeus, como a
Ndrangheta e a máfia sérvia, recuperavam a droga para distribuí-la no
continente.
Trata-se de um
negócio na Baixada Santista hoje dominado por traficantes como André de
Oliveira Macedo, o André do Rap, atualmente foragido.
Nova Ação
Após as incursões
de abril de 2020, a PM manteve a vigilância na área do Rio Boturoca. Foi ali
que seus homens detectaram meses depois um bando em lanchas rápidas, com fuzis,
circulando pelo mangue.
Era 11 de junho.
Três dias depois, novas informações chegaram ao Batalhão de Operações Especiais
(Bope): os bandidos desembarcaram mais tonéis azuis na região. Os policiais
identificaram as coordenadas de GPS de três pontos que teriam sido ocupados
pelos criminosos.
A Justiça recebeu
o pedido e concedeu a ordem para monitorar os suspeitos. Depois, expediu
mandados de busca. Às 7 horas de 20 de junho, homens do COE e do esquadrão
antibombas da PM irromperam nos três pontos monitorados. Mas os agentes
chegaram tarde demais. Tudo tinha aspecto de abandono. Foi pouco a pouco que as
provas das atividades dos bandidos foram surgindo.
A ação no
primeiro endereço foi decepcionante. Em uma rua de terra batida, às margens da
ferrovia, um muro alto e um portão escondiam um barracão. Ali, em uma caixa
plástica, embaixo de uma bancada de madeira, foi achado o único vestígio
deixado pelos criminosos: um carregador de fuzil.
As coisas só
começaram a mudar a quase um quilômetro dali, na encosta de um morro. Uma
armadilha feita com linhas e uma granada pelos traficantes estava no caminho
dos policiais, comandados pelo tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti, que
tiveram de detoná-la.
No fim da trilha,
havia uma casa de alvenaria. Em meio à mata nativa, Keko construíra um imóvel
com piscina e um lago artificial, mas não se esqueceu de também estender ali
armadilhas para os invasores. Contava ainda com a companhia de um cão da raça
pitbull.
Em seus perfis
nas redes sociais, o traficante publicou vídeos ensinando o cachorro a subir em
árvores e a resgatar troncos presos a anilhas de equipamentos de musculação –
material semelhante ao encontrado pelo COE –, jogando-os na piscina.
Em um outro
vídeo, o traficante mostra que o cão atendia ao comando “amém” para só então
começar a comer. O dono fazia ainda as vezes de veterinário do bicho e chegou a
se filmar cuidando de um ferimento do animal.
No imóvel, os
policiais encontraram um fuzil BMG, calibre.50. Mais adiante na mata, perto de
uma cachoeira, eles localizaram um barraco onde Keko supostamente guardara
quatro rolos de emulsão explosiva.
O bandido, no
entanto, escapou. Nenhum traço que levasse a sua captura foi encontrado.
Alcunha de Guerrilheiro
A alcunha de
”guerrilheiro do PCC” teve origem em um informe, nunca confirmado pela polícia,
de que Keko passara uma temporada na Colômbia, onde teria aprendido a navegar
pela selva com os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(Farc). “Há muita lenda em torno dele”, reconhece o promotor Lincoln Gakiya, um
dos maiores conhecedores do PCC no País.
FUGA
O homem procurado
pela PM sumiu no meio da mata, como nos vídeos que ele divulga nas redes
sociais onde diz: “Não existe atalhos, tudo é repetição e treinamento”. Ou como
escreveram os investigadores da Polícia Civil em um relatório secreto: “A
ousadia demonstrada nas duas ações chega a ser assustadora, mas ao que tudo
indica, ‘Keko’ treinou muito e se preparou para o dia do combate”.
O criminoso teria
ido então, segundo a polícia, para a Bolívia, mas agora está volta. Por meio de
uma mensagem telefônica em que Keko fez ameaças a um desafeto, a polícia
localizou o local exato de onde partira o recado: a favela Vila Esperança. “Temos
a informação de que ele vol-tou”, afirmou o promotor Sílvio Loubeh, do Geaco.
Criminoso mantém ‘silêncio’ na internet após
volta ao Brasil
Ao ser
questionado sobre o paradeiro de André Luiz dos Santos, o Keko, o delegado Luiz
Carlos do Carmo, diretor do Departamento de Polícia do Interior-6, responsável
pela Baixada Santista, disse ao Estadão o que muitos suspeitavam: Keko fugira
para a Bolívia. Era lá que ele ficara
até voltar ao Brasil.
Após a fuga de
Keko, o Gaeco havia pedido à Justiça que os perfis em redes sociais mantidos
pelo narcotraficante fossem desativados, mas até a semana passada era possível
acessar vídeos e fotos postadas pelo bandido, quase tudo material antigo.
Entretanto, não
ia demorar muito para que a inteligência da Polícia Civil obtivesse uma
informação que coloca novamente Keko com os pés na Baixada.
Foi por meio de
uma mensagem telefônica em que ele fez ameaças a um desafeto que a polícia
localizou o local exato de onde partira o recado: a favela Vila Esperança, em
Cubatão, vizinha ao mangue. “Temos a informação de que ele voltou”, afirmou o
promotor Sílvio Loubeh, do Gaeco da Baixada, com mais de 15 anos de experiência
no combate ao crime organizado.
Após a segunda
fuga de Keko, o Gaeco havia pedido à Justiça que os perfis mantidos pelo
narcotraficante fossem desativados, mas até a semana passada era possível
acessar os vídeos e as fotos postadas pelo bandido, quase tudo material antigo.
É que desde a “sua volta”, Keko mantém silêncio.
É que desde a
volta ao País, Keko mantém silêncio. Nada de novo aparece em suas contas no
Instagram. uspeita-se de que ele tenha criado novos perfis, onde procura manter
vídeos de treinos para o combate, como os que circulam livremente em redes
populares, como o Kwai e o TikTok.
No material de
2020, os investigadores encontraram provas para ligar o bandido aos bunkers e
aos objetos apreendidos, além de pistas para localizá-lo. Talvez, por isso
mesmo, ele esteja, agora, mais cauteloso.
Fonte: Jornal o Estado
de São Paulo - Por Marcelo Godoy
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