Apreensões
de cocaína em Rio Grande, Pelotas e Chuí nos primeiros cinco meses deste ano já
superam todas as de 2019 e 2020
Na manhã de 7 de
maio a Polícia Federal (PF) recebeu um alerta: mergulhadores tinham acabado de
acoplar uma carga de cocaína a um compartimento subaquático de um navio, no
porto de Rio Grande, no sul do RS. Os policiais pediram ajuda à Marinha, que
usou seus homens-rã para sondar a embarcação. Em minutos localizaram bolsas impermeáveis
contendo 136 kg da droga, introduzidos na caixa de mar (um compartimento
submerso, por onde entra água para refrigerar os motores do barco).
O navio veio da
Argentina e tinha como destino o porto espanhol de Las Palmas (Ilhas Canárias).
Agora a PF investiga se a tripulação tinha conhecimento ou não da droga presa
no casco. A embarcação foi liberada para prosseguir viagem.
Essa foi a
chegada ao Rio Grande do Sul da técnica mais moderna para esconder drogas (e
uma das mais difíceis de detectar). Sinal de que o principal porto gaúcho virou
ponta de lança no tráfico internacional. Rio Grande já é alvo constante do uso
de contêineres abarrotados de drogas e de barcos de pesca usados para levar
cocaína até navios. Até mesmo de grandes pesqueiros oceânicos capazes de cruzar
os mares cheios de entorpecentes. A novidade é a ação de mergulhadores a
serviço do crime.
Essa moderna
tática e também as estatísticas mostram que toda a região sul do RS (com
destaque para o porto) virou rota estratégica do tráfico. Nestes cinco meses de
2022 a PF apreendeu 167 kg de cocaína entre os municípios de Pelotas, Rio
Grande e Chuí. Isso é mais que todo o ano de 2019 (161 kg) e todo 2020 (128 kg).
Mas o ponto alto
foi em 2021, quando os federais descobriram 3,8 toneladas de cocaína nessas
três cidades. O destaque aconteceu em novembro, quando equipe liderada pelo
delegado Robson Robin, da PF, encontrou 2,7 toneladas desse tipo de drogas
empacotadas numa casa no centro de Pelotas. O material estava pronto para
embarque para a Europa, via Porto de Rio Grande. Foi a maior apreensão de
cocaína na história gaúcha. O que está acontecendo?
Pistas surgem de
um estudo recente de pesquisadores ligados à Organização das Nações Unidas
(ONU), divulgado em primeira mão por GZH. Ele mostra que o território gaúcho
deixou de ser periférico para virar prioritário no tráfico entre o Brasil e
outros países. O trabalho salienta que as ações do tráfico caíram muito em
portos e aeroportos do Nordeste, bastante usados por sua maior proximidade com
a Europa. Buscam rota alternativa por Rio Grande, mais longe, mas por onde
passam mais de mil contêineres de carga por dia (420 mil por ano). É muito
volume para a polícia ou a Receita Federal do Brasil (RFB) rastrearem.
As quantias
apreendidas pela PF no Rio Grande do Sul como um todo também aumentaram (veja
gráfico abaixo). Em 2020, foram encontradas 12 toneladas de drogas, sendo 10
toneladas de maconha. Já em 2021, foram 19,1 toneladas de drogas confiscadas
(13,9 toneladas de maconha). E a maior parte disso, disparado, na zona sul do
Estado, pela proximidade do porto. As evidências apontam que nada disso se
destina a consumo local.
— Pelo alto grau de
pureza da cocaína, acreditamos que miram a Europa e, em alguns casos, também a
África — analisa o delegado Ricardo Gonçalves, responsável pela apreensão da
droga escondida no navio em Rio Grande.
A técnica usada,
que surpreendeu os federais, já foi identificada nos portos de Santos (SP),
Paranaguá (PR) e Vitória (ES). Os policiais gaúchos consideram prematuro
apontar qual organização está por trás dessas remessas de cocaína por atacado,
mas já têm suspeitas.
Em 11 de janeiro a PF prendeu em Guarujá, no litoral paulista, o espanhol Joaquin Francisco Gimenez, o Aquaman do PCC. Ele nasceu em Las Palmas (porto para onde se
destinava a droga apreendida em Rio Grande), é mergulhador profissional e seus
contatos eram monitorados há dois anos, por suspeita de "colar"
drogas a navios. As investigações apontam que ele teria sido aliciado pelo
Primeiro Comando da Capital (o PCC paulista, maior organização criminosa do
país). Comprou uma lancha e era mencionado em conversas telefônicas de três
homens presos com 900 kg de cocaína, numa casa. Foi preso quando, já vestido
com trajes de mergulho, se preparava para mergulhar próximo ao Porto de Santos.
Ele tinha prisão preventiva decretada no Espírito Santo, por atuar da mesma
forma.
Estaria o PCC
enraizado na Zona Sul gaúcha? Os policiais acham que não. O interesse seria
apenas logístico, uma plataforma de embarque de drogas (assunto que domina no
país) para outros continentes. Mesmo que não comentem oficialmente, chama
atenção, no caso de Pelotas, que quatro dos cinco presos pela posse das 2,7
toneladas de cocaína vieram do Vale dos Sinos. Tudo indica que sejam vinculados
à maior facção criminosa gaúcha. Como é notória, essa organização montou
sociedades com o PCC em compras de armas e drogas. Os afiliados desses bandos
ficam juntos nas prisões, quando presos fora de seu Estado natal.
Os indícios,
portanto, apontam para uma joint-venture lucrativa entre duas grandes
organizações. Só interrompida, esporadicamente, pelo esforço das autoridades.
Maiores apreensões dos últimos tempos na zona
sul do RS - Fonte: Polícia Federal
- 1,1 tonelada decocaína — junho de 2021, escondida num contêiner no Porto de Rio Grande, rumo à Bélgica.
- 500 kg de cocaína — setembro de 2021, encontrada pela BM num pesqueiro na barra de Rio Grande.
- 2,7 toneladas de cocaína — novembro de 2021, guardadas numa casa no centro de Pelotas, para embarque em Rio Grande, rumo à Europa.
- 136 kg de cocaína— maio de 2022, escondida no casco de um navio em Rio Grande.
Fonte: gauchazh
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