Vários
ex-integrantes da estatal investigados no processo ocuparam os cargos na
empresa por indicação política
Na
mesma semana em que o Ministério da Infraestrutra publicou uma portaria que
fragiliza a segurança dos portos do país, permitindo a terceirização da Guarda
Portuária, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o envolvimento de uma
empresa de segurança privada em fraude e corrupção no Porto de Santos.
No
dia 2 de julho foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Portaria nº 84 de 1º de julho de 2021 do Ministério da Infraestrutura, que autoriza a
contratação de empresas privadas para exercer o poder de polícia (fiscalizar)
em todos os portos brasileiros.
SAIBA MAIS: PORTARIA MINISTERIAL FRAGILIZA A SEGURANÇA NOS PORTOS
No
dia 19 de julho, o MPF divulgou que a Justiça Federal recebeu Denúncia na qual uma
empresa supostamente especializada no monitoramento com drones e uma empresa de
segurança privada, ambas do mesmo proprietário, são acusadas de fraudar a
licitação num contrato firmado com a Companhia Docas do Estado de São Paulo –
Codesp (atualmente denominada Santos Port Authority).
Os
drones deveriam ser utilizados para reforçar a segurança do porto, coibindo o
roubo de cabos de energia e evitando possíveis danos ambientais com a
fiscalização do abastecimento de combustível dos navios.
O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos, acolheu denúncia da Procuradoria da República no âmbito das Operações Tritão e Círculo
Vicioso, que revelaram suposto esquema de fraudes em licitações e contratos
público, colocando no banco dos réus onze pessoas, entre elas oito
ex-executivos da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), por supostos
desvios no âmbito de um contrato de R$ 2,7 milhões fechado em 2018.
Empresas Envolvidas
A
denúncia do MPF é assinada pelo procurador Thiago Lacerda Nobre. Na peça de 54
páginas a Procuradoria elenca ‘inúmeras irregularidades’ envolvendo a empresa Vert Prestação de Serviço Ltda. e a
empresa Eros Segurança Patrimonial Ltda.
Segundo
os procuradores, o termo de referência da licitação, publicado pela Codesp,
teria sido na verdade, elaborado pela própria Vert por conta da semelhança dele
com a proposta da empresa para ganhar a licitação. As exigências de material,
pessoal, instalações e até operação da central de monitoramento eram idênticas
ao termo publicado pela Autoridade Portuária.
Em
um primeiro momento, a empresa Vert foi recusada por ausência de comprovação de
sua capacidade técnica. Para burlar essa exigência a empresa apresentou uma
declaração na qual a Eros afirma que a Vert lhe prestou esse tipo de
monitoramento com drones em 2016.
Para
se habilitar no certame, a Vert apresentou certificado de curso de piloto de
drone em nome de Otoniel Pedro Alves, que à época era cabo da Polícia Militar
(PM).
A
certificação, porém, não foi emitida por nenhuma escola reconhecida pela
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), como solicitado no processo
licitatório, e sim pela PM, que não tem qualquer relação com a formação ou
capacitação de pilotos de drones.
O
curioso é que um dos signatários do documento, que assina na qualidade de
diretor de operações da Eros, é justamente Otoniel, o piloto indicado pela
empresa Vert.
Conforme
a denúncia, Otoniel, na verdade, era um dos sócios da Vert, ao lado do advogado
José Eduardo dos Santos.
Também
chamaram a atenção duas notas fiscais da Eros, referentes a “serviços de
monitoramento eletrônico por drones” prestados entre 10 de março e 31 de
dezembro de 2016. Elas foram emitidas em um intervalo de apenas 25 minutos, em
março de 2018.
Conforme
a Manifestação Ministerial nos autos do processo nº: 0001439-18.2018.4.03.6104
- IPL nº: 0072/2018, informações, junto com os fatos trazidos pela colaboração,
que forneceram substrato para a deflagração da segunda fase ostensiva da operação
Tritão, denominada “Círculo Vicioso”, deflagrada em agosto de 2019, outras
empresas de segurança também estão sendo investigadas.
Dentre
os contratos fornecidos, um de grande destaque foi com a empresa Sphera Security Ltda, para a manutenção
dos programas de segurança ligados ao IPSP-CODE, que recebeu, ao longo de 10
anos, mais de R$ 100 milhões em contratos para a prestação de serviços de
segurança no Porto de Santos, por meio de sucessivas prorrogações irregulares
desde 2008.
Outro
alvo de investigação de suposto contrato fraudulento é sobre consultoria do
sistema Portolog com a empresa Santa Cecília. Áudio apreendido durante a operação
aponta fortes indícios de outros crimes como falsidade ideológica, haja vista
que a contratada in facto seria o Grupo
Ergos, este com impeditivos legais que impossibilitariam a contratação
direta.
Na
mesma degravação observa-se a narrativa de um suposto pagamento de oito milhões
de reais para um software de monitoramento por meio de radares que até então
não se tem notícias sobre sua real implantação e necessidade.
Por
fim, ainda verifica-se robustos indícios de existência de pagamento indevido à
empresa Locktec por meio de aditivos
fraudulentos com o envolvimento de servidores da CODESP.
Segundo
consta do aludido relatório, há indícios de irregularidades no processo de
contratação do consórcio Indra, fato que sequer foi investigado e que, certamente,
necessita de diligências apuratórias.
Contrato de R$ 2,7 milhões
Segundo
o procurador da República Thiago Nobre, apesar das primeiras análises sugerindo
a inabilitação da Vert, a Codesp autorizou a continuidade da licitação com base
em “documentos absolutamente inidôneos” e contratou a empresa por 12 meses,
pelo valor total de R$ 2,7 milhões. A contratação foi realizada com a anuência
de José Alex Botelho Oliva, então diretor-presidente da estatal, e outros
funcionários da companhia.
Outras irregularidades
A
falta de capacitação técnica não foi o único problema encontrado nas
investigações. A central de monitoramento, por exemplo, foi instalada em uma
base da Codesp, sem ônus para a contratada e sem qualquer autorização formal
para seu funcionamento.
Entre
as irregularidades, está a ausência de detalhamento de custos de contratação,
da instalação de uma central de monitoramento de Santos, da base operacional de
Bertioga, que nunca foi entregue, e do pagamento por treinamentos de
funcionários que nunca ocorreram.
A
documentação também não continha o detalhamento da composição dos preços e não
explicava como as quantidades contratadas foram estimadas nem como os serviços
seriam controlados, medidos e pagos.
Existem
indícios de irregularidades também na composição acionária da Vert à época da
formalização do contrato. Havia sócio cuja renda era incompatível com o capital
social da empresa. O verdadeiro proprietário da empresa seria o advogado José
Eduardo dos Santos.
Envolvimento de Político
Vários
ex-integrantes da estatal investigados no processo ocuparam os cargos na
empresa por indicação política.
Um
documento da Controladoria Geral da União (CGU) aponta que o advogado José
Eduardo dos Santos, dono da Vert, teria emitido notas fiscais frias para desvio
de recursos da cota parlamentar de um deputado federal, que não foi reeleito.
“É possível que a contratação da Vert seja resultado de interesse escuso desse
parlamentar ou de outro grupo criminoso na gestão da Codesp”, diz nota técnica.
O MPF não denunciou o político.
As
irregularidades no contrato de R$ 2,7 milhões estiveram no centro das
investigações da Operação Círculo Vicioso, desdobramento da ‘Tritão’ deflagrado
em agosto de 2019. A ofensiva mirou o ex-deputado federal Marcelo Squassoni
(PRB/SP). Na ocasião, o ex-parlamentar foi apontado como responsável pela
indicação de membros da antiga diretoria da Codesp que teriam viabilizado
suposto esquema de corrupção que não se limitou ao acordo para monitoramento
por drones no Porto de Santos.
O
empresário Mário Jorge Paladino afirmou, em delação premiada, que emprestou um
Audi Q7 para que o ex-deputado federal Marcelo Squassoni (PRB/SP) usasse em
Brasília, durante seu mandato, entre 2015 e 2019.
O
próprio parlamentar, que chegou a ser preso pela PF na Operação Círculo
Vicioso, teria solicitado o veículo, pouco antes de assumir a cadeira na
Câmara.
Segundo
Paladino, o ex-parlamentar utilizou o carro por dois anos e depois o devolveu.
A PF identificou que o veículo recebeu cinco multas de trânsito em Brasília,
lançadas entre fevereiro e abril de 2016.
O
empréstimo do carro de luxo estaria entre outros “pagamentos e vantagens
indevidas” que Marcelo Squassoni recebeu do esquema relacionado à Codesp,
segundo Paladino.
Em
seu depoimento, o delator contou ainda que o cheque de R$ 200 mil do
ex-deputado que foi encontrado em sua residência durante as buscas da Operação
Tritão estava relacionado a um “empréstimo verbal” feito por Squassoni para sua
campanha eleitoral em 2014.
Na
delação, Paladino indicou que o veículo emprestado ao ex-deputado seria o mesmo
que foi entregue a Ulisses Stonaga de Moraes, autor do vídeo que deu origem às
suspeitas de fraudes na companhia.
Na
gravação, Carlos Antônio de Souza, então assessor do presidente da Codesp José
Alex Botelho de Oliva, afirmava que teria fraudado uma licitação para contratar
serviço de digitalização de documentos.
Ulisses,
agente policial da Polícia Civil do Estado de São Paulo, foi candidato ao cargo
de Vereador em Santos nas Eleições 2016, pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB),
mas com 52 votos não foi eleito.
O
nome de Ulisses, proprietário da empresa Santos Port Marine, aparece no
registro de várias ocorrências de irregularidades na retirada de resíduo oleoso
dos navios registrada pela Guarda Portuária.
Consta
na Operação Nereu que, Ulisses (autor e interlocutor do vídeo) que não era
identificado nas imagens, procurou o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime
Organizado (GAECO) do Ministério Público Estadual em Santos para se
identificar, apresentar o vídeo original e explicar os fatos.
Réus
Dos
11 réus, 8 são ex-integrantes da estatal. Entre os acusados, está o
ex-presidente da Autoridade Portuária, José Alex Botelho de Oliva. Os demais
são: Gabriel Nogueira Eufrásio (superintendente jurídico), Carlos Henrique de
Oliveira Poço (diretor de operações logísticas), que assina o contrato e
iniciou o processo de contratação, Francisco José Adriano (diretor financeiro),
responsável pelos pagamentos e indicou a empresa, Sérgio Pedro Gammaro Junior
(superintendente de tecnologia de informação), responsável oficial pela
elaboração do termo de referencia, Tawan Ranny Sanches Eusebio Ferreira
(gerente de contratos e licitações), Cristiano Antonio Chehin (fiscal do
contrato) e Álvaro Clemente de Souza Neto (gerente de fiscalização), que
assumiu a gestão do contrato.
Também
foram denunciadas três pessoas ligadas à Vert: José Eduardo dos Santos
(proprietário), Otoniel Pedro Alves (diretor) e Oseas Pedro Alves (irmão de
Otoniel, que respondia pela empresa em diversos contatos com a Codesp).
Em
razão das investigações, o MPF pede a condenação deles pelo crime de peculato,
porque teriam desviado valores consistentes em pagamentos por serviços não
realizados e remuneração de terceiros, na condição de funcionários públicos.
Esta qualidade de caráter pessoal (funcionário público) se comunica ao trio da
empresa privada porque se trata de elementar do crime.
De
acordo com a acusação formal de 54 laudas assinada pelo procurador da República
Thiago Lacerda Nobre, os réus ligados à empresa pública, que é vinculada ao
Ministério da Infraestrutura, também devem ser processados por fraudar
licitação da Codesp para beneficiar a empresa contratada e obter vantagem para
si.
Em
sua acusação, o MPF requer a reparação dos prejuízos provocados pelo contrato
fraudulento, com valor mínimo de R$ 2,7 milhões, devidamente corrigidos, bem
como o perdimento de todos os proventos obtidos pelos crimes cometidos.
“Há
justa causa que autoriza o início da ação penal, porquanto os elementos
informativos obtidos no curso do inquérito policial demonstram fatos que, em
tese, constituem crime e apontam indícios suficientes de autoria”, despachou o
juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho, ao receber a denúncia na 5ª Vara
Federal de Santos.
Os
réus agora serão citados (chamados ao processo) para que apresentem resposta à
acusação por escrito no prazo de até dez dias.
Operação Tritão
Esta
é a segunda denúncia oferecida no âmbito da Operação Tritão, que investiga atos
ilícitos cometidos entre 2013 e 2018 pela então gestão da Codesp.
A
fase inicial ocorreu em outubro de 2018, quando o então presidente, dois
diretores e um servidor da autoridade portuária, além de três empresários,
foram presos por suspeita de corrupção, fraude em licitações e peculato. Na
ocasião, três contratos ilícitos foram identificados.
O
estopim para as investigações da PF foi um vídeo vazado na internet em setembro
de 2016. Na gravação, Carlos Antônio de Souza, o Carlinhos, então assessor de
José Alex Botelho de Oliva (presidente da Codesp na época), revelava a seu
interlocutor – depois identificado como Ulisses Stanoga de Moraes – a
realização de diversas fraudes no âmbito da estatal, que resultaria em prejuízo
de milhões de reais.
Apuração de Outros Crimes
Os
fatos apurados na ação penal apresentados no mês passado constituem apenas um
de vários esquemas de corrupção desarticulados pela Operação Tritão.
Em
que pese o relatado no inquérito policial, verifica-se que existem fatos que,
embora constantes dos autos, não foram sequer investigados e, ainda, outros que
não foram totalmente esclarecidos durante a investigação.
Conforme
o MPF, as negociatas envolvem diversos servidores públicos e empresários,
notadamente com relação a licitações e contratos firmados nos anos de 2013 a
2016, dentre eles a dragagem do canal do Porto de Santos.
O que disseram os citados
O
advogado Eugênio Malavasi, que defende Gabriel Nogueira Eufrásio, afirma que a
"defesa rechaça todas as acusações assacadas pelo MPF, visto que
totalmente infundadas, e provará a cabal inocência de Gabriel ao final da
instrução processual".
O
advogado Luiz Fernando Cintra, que representa José Alex Botelho de Oliva,
afirma que recebe com surpresa a notícia da nova acusação feita pelo Ministério
Público Federal, especialmente porque a denúncia descreve apenas um ato de
gestão institucional praticado na qualidade de diretor-presidente da autoridade
portuária (assinatura de contrato), e não a prática de corrupção ou recebimento
de beneficio ilícito.
"Destaca-se,
ademais, que existe delação premiada, em que o nome de José Alex não é citado.
De todo modo, a defesa respeita o trabalho do Ministério Público e da Polícia
Federal, e tem convicção de que provará a inocência de José Alex Botelho de
Oliva ao final do processo", afirma Cintra.
A
defesa da empresa Vert não se posicionou até a última atualização desta
reportagem. O G1 tenta localizar a defesa dos demais citados.
CODESP
Em
nota, a Santos Port Authority (SPA), novo nome da Companhia Docas do Estado de
São Paulo (CODESP), diz que não comenta assuntos relacionados a "Operação
Tritão", conduzida pela Polícia Federal e agora motivo de denúncia do
Ministério Público Federal (MPF). Desde que assumiu, em março de 2019, a atual
gestão da SPA vem implementando ações pautadas em transparência e nas melhores
práticas de gestão e governança, inclusive, contribuindo com órgãos de
investigação e fiscalização, além de ter adotado medidas como o rompimento de
contratos com irregularidades e a obrigatoriedade de que novas contratações
tenham cláusula anticorrupção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários publicados não representam a opinião do Portal Segurança Portuária Em Foco. A responsabilidade é do autor da mensagem. Não serão aceitos comentários anônimos. Caso não tenha conta no Google, entre como anônimo mas se identique no final do seu comentário e insira o seu e-mail.