Ele é
apontado como elo do PCC com máfias da Itália e do leste europeu
O
jordaniano Waleed Issa Khamayis, de 59 anos, apontado por autoridades
brasileiras e europeias como uma peça-chave no Brasil para a articulação entre
o PCC (Primeiro Comando da Capital) e grupos mafiosos da Itália e do leste
europeu, está preso desde 22 de julho de 2020 na Turquia. O governo brasileiro
pediu sua extradição. Se a solicitação for aceita, o jordaniano pode revelar
detalhes valiosos sobre a atuação de organizações criminosas de todo o mundo em
território nacional.
Desde
5 de julho de 2017, ele tem prisão decretada no Brasil por tráfico
internacional de drogas e por organização criminosa. Apesar de o pedido de
extradição ter sido feito oficialmente, há um entrave: Não existe acordo de
extradição entre Turquia e Brasil. O governo brasileiro estuda possibilidades
jurídicas e diplomáticas específicas para tentar trazer o jordaniano ao país. É
aqui, no Rio Grande do Sul, por exemplo, que encontra-se a família dele.
Informações
da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), obtidas com exclusividade pelo
Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV, mostram que o Khamayis não é só
o elo, mas também personifica a presença de máfias estrangeiras de origens
difusas no Brasil. “Para que se mensure a magnitude do mercado do qual
participava o jordaniano, ressalta-se que, apenas entre 2015 e 2017, Waleed foi
responsável pelo ingresso de aproximadamente 8 toneladas de cocaína na Europa”,
aponta a análise da agência.
De
acordo com investigações brasileiras e italianas, ele coordenou envios de
cocaína para a máfia italiana ‘Ndrangheta e ao clã Saric, de Montenegro. Sua
atuação no Brasil, de acordo com a PF (Polícia Federal), porém, é mais antiga:
Tem pelo menos duas décadas.
Da Itália ao Brasil
A
ficha criminal de Waleed Khamayis teve início em 1987, em Messina, no sul da
Itália, quando teve o nome envolvido a um atentado no qual morreram dois
policiais. Dois anos depois, tentou negociar, sem sucesso, armamento antitanque
para mafiosos italianos. Com olhos da polícia atentos aos seus passos, decidiu
viajar para o Brasil em 1990.
Desde 1991, o jordaniano entrou no radar da polícia brasileira sob a suspeita de agir no tráfico internacional de cocaína desde o Brasil até a Europa. Em janeiro de 1992, foi identificado que ele organizou uma remessa de 325 quilos de cocaína para a Itália. Em julho daquele mesmo ano, foi detido ao ser flagrado tentando exportar, em Fortaleza (CE), 592 quilos da droga para a Itália.
A
ação de exportar cocaína em navios, que hoje é corriqueira, à época foi
considerada inovadora e sofisticada. Em 1996, foi agraciado com o regime
semiaberto. Ele devia voltar para a prisão toda noite, mas decidiu fugir para
São Paulo. Na capital paulista, foi localizado e voltou à prisão, desta vez, no
extinto complexo do Carandiru, na zona norte da capital. Pouco depois,
conseguiu fugir novamente.
Em
2004, voltou a ser preso, desta vez, no Rio Grande do Sul, sob a suspeita de
praticar crimes de lavagem de dinheiro junto a outro jordaniano, identificado
como Khmaue Ayman Rateb Issa Khmayis. No entanto, os processos relativos a
essas prisões foram extintos em 2008 e ele foi liberado.
Apesar
disso, ele continuou no radar das autoridades brasileiras. Em 2017, ele foi um
dos alvos da Operação Brabo da PF, sendo condenado, à revelia, por tráfico
internacional de drogas e organização criminosa. Ele ficou foragido desde
então.
Passaporte verdadeiro,
identidade falsa
Uma
investigação da polícia da Macedônia, com auxílio da Interpol, que foi revelada
pelo projeto de jornalismo IrpiMedia, da Itália, e pelo IRL (Investigative
Reporting Lab Macedonia), identificou que o Ministério do Interior da Macedônia
abrigou um esquema de fabricação de passaportes falsos que beneficiou pelo
menos 215 criminosos. Entre eles, o jordaniano Khmayis.
A
tática não é nova. Era a mesma feita, por exemplo, por Charles Sobhraj, um
francês com ascendência indiana e vietnamita que drogava, roubava e matava jovens
que visitavam a Tailândia onde morava. Depois de cometer os crimes, ele pegava
os passaportes falsos das vítimas, trocava as fotos e viajava pelo mundo se
passando pela pessoa que matou. A história baseou a série “O Paraíso e a
Serpente”, disponível na Netflix.
No
caso da Macedônia, não há registros de mortes. No entanto, pessoas pobres do
país eram usadas para a tática. Passaportes falsos eram feitos com dados dos
macedônios, mas as fotos coladas eram de mafiosos europeus. O que poderia
ajudar Khmayis a escapar de autoridades mundo afora, na verdade, foi o que o
levou para a prisão.
Sabendo
que a Turquia não realiza prisões com base na difusão vermelha da Interpol, o
jordaniano decidiu ir para o país. Lá, acabou preso por uso de documento falso.
Antes de ser preso e visitar a Turquia, há registro de que Khamayis morava, com
uso do passaporte macedônio, em um resort de luxo nas Ilhas Maurício. Era lá,
inclusive, que ele recebia uma namorada de nacionalidade de Kosovo.
Máfias balcânicas se
intensificam na América do Sul, diz Abin
A
Abin tem acionado suas superintendências, a área operacional, parceiros de
serviços estrangeiros e do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), com o
objetivo de trocar informações que possam auxiliar a identificação da rede
criminosa de Khamayis. Por meio de relatórios analíticos semelhantes, a agência
brasileira identificou que a atuação de grupos criminosos da região dos Bálcãs
e do Leste Europeu intensificaram suas ações na América do Sul.
As
organizações balcânicas têm como modus operandi a infiltração em setores da
economia, o que lhes garante recursos para lavagem de dinheiro, cooptação e pagamento de propina a autoridades e, por
fim, criação de alianças com criminosos de outros países para viabilizar a operação
em rotas transnacionais de drogas e de armas.
A
partir da década de 2000, as máfias sérvias assumiram o protagonismo da chamada
“Rota dos Bálcãs”, como é conhecido um dos itinerários do tráfico de cocaína da
América do Sul para a Europa, de acordo com a Abin, se sobrepondo às máfias italianas,
associadas a cartéis da Colômbia. Nesse período, começou a ser identificada a
presença dessas organizações em países sul-americanos.
A
atuação principal se deu na Argentina. Mas além do país vizinho, foram
identificados núcleos no Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru e Uruguai. Foram
identificados, desde o início do século, apreensões, prisões e crimes violentos
vinculados nesses países com cidadãos de origem balcânica.
Recentemente,
um albanês foi assassinado em um restaurante na região dos Jardins, centro de
São Paulo. O Núcleo de Jornalismo Investigativo da Record TV revelou que há
suspeita de que ele tenha envolvimento com a máfia do seu país de origem.
Rotas balcânicas na
América do Sul
Para
importar cocaína da América do Sul, as máfias sérvias utilizaram, entre 2004 e
2010, duas rotas principais: uma a partir do Uruguai e Argentina, chegando
primeiro na África do Sul e, depois, no norte da Itália e em Montenegro; e a
outra a partir da Colômbia, passando pela África Central e Turquia antes de
atracar em Montenegro.
Investigações internacionais mostram que, desde o início da década de 2011, o grupo de origem sérvia identificado como Clã Saric mantinha estruturas físicas de atuação em Montevideo (Uruguai), Ciudad del Este (Paraguai), Santa Cruz de la Sierra (Paraguai), além de lugares não definidos no Brasil.
Aqui,
está identificado que o Clã Saric mantém contato com membros do “Grupo
América”, que é uma organização criminosa originada nos EUA na década de 1980 e
que opera com agentes financeiros de esquemas de narcotráfico e lavagem de
dinheiro.
Fonte:
R7
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