Ministro
do STF já soltou ao menos 79 presos baseando-se na mesma lei.
No
final da última sexta-feira (09), o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal (STF) concedeu um habeas corpus a André Oliveira Macedo,
conhecido como André do Rap, apontado como um dos chefes do Primeiro Comando da
Capital (PCC), facção criminosa que atua dentro e fora dos presídios de São
Paulo, e também considerado como um dos maiores traficantes de drogas do
Brasil.
Ele
foi libertado no sábado (10), às 11h50, da Penitenciária II de Presidente
Venceslau, no interior paulista, onde cumpria duas condenações que, somadas,
atingiam 25 anos de prisão.
Os
advogados Anderson Domingues e Áureo Tupinambá afirmaram que seu cliente, em
liberdade, iria viver na Baixada Santista. Eles indicaram duas casas, uma em
Santos e outra no Guarujá.
Prisão
Procurado
pela Interpol, André do Rap foi preso em setembro de 2019, em uma operação que
contou com uma equipe de 23 policiais do Grupo Armado de Repressão a Roubos e
Assaltos (GARRA), do Grupamento de Operações Penitenciárias Especiais e da
Divisão Antissequestro (GOPE), da Polícia Civil de São Paulo.
Ele
foi encontrado em um condomínio de luxo no bairro Itanema, que fica às margens
da BR-101 (Rodovia Rio-Santos), em Angra dos Reis, no litoral do Rio de
Janeiro. Na residência, foram apreendidos dois helicópteros, um deles avaliado
em cerca de R$ 7 milhões e uma lancha de 60 pés, avaliada em R$ 6 milhões. A
casa era alugada, mas ele tinha uma mansão na cidade, fora de um condomínio.
Também, segundo o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), da
Polícia Civil, ele é proprietário de um sítio em Bertioga.
LEIA TAMBÉM: A PRISÃO DE ANDRÉ DO REP, APONTADO POR TRAFICAR DROGAS PELO PORTO DE SANTOS
Decisão de Marco Aurélio
Mello
Ao
conceder o habeas corpus que possibilitou a soltura do réu, o ministro alegou que
André estava preso provisoriamente há muito tempo, sem qualquer manifestação da
justiça, contrariando a legislação processual brasileira, alterada neste ano,
que determina que prisões provisórias sejam revistas a cada 90 dias, mediante
decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
De
acordo com decisão do ministro ele deveria ser solto imediatamente, porque
apesar de estar respondendo outro processo, em que foi condenado a 15 anos, 6
meses e 20 dias de prisão, mas no qual ainda não há transitado em julgado da
sentença, onde o próprio ministro também já tinha sido concedido um outro
habeas corpus concedido a favor dele. O Ministério Público de São Paulo
recorreu desse processo.
Justificativa
Marco
Aurélio justificou que a prisão é ilegal, e que concedeu a liberdade em virtude
da lei aprovada recentemente pelo congresso. Ele afirmou ao site UOL que:
"Se
há um ato ilegal na manutenção de uma prisão e chega um habeas corpus a mim, eu
devo fechar os olhos?", questionou. "Eu tenho 42 anos de experiência”.
“Eu não posso partir para o subjetivismo e critérios de plantão. A minha
atuação é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso Nacional: ali está a
essência do Judiciário", diz.
Suspeição
Segundo
a revista Cruzoé, o pedido de soltura de André do Rap foi assinado por Ana
Luísa Gonçalves Rocha, sócia de Eduardo Ubaldo Barbosa no Ubaldo Barbosa
Advogados, escritório localizado na Asa Norte, em Brasília. Barbosa era
assessor no gabinete do ministro Marco Aurélio até 17 de fevereiro deste ano,
quando postou em redes sociais uma mensagem de despedida e agradecimento.
Ao
fim do ano passado, publicou uma foto no gabinete que contava com a presença do
próprio ministro. Procurado pela revista, Marco Aurélio declarou que não tinha
conhecimento de quem era a sócia de Barbosa e que a relação não altera na
decisão. "Ele (Barbosa) foi meu assessor pessoal e foi advogar",
disse. "A mim não altera em nada. Em nada, e absolutamente nada. Nós
tivemos no passado uma relação funcional apenas", acrescentou.
Relatora do processo era
outra ministra
A
autorização para André do Rap deixar o sistema prisional veio do ministro Marco
Aurélio Mello, que atendeu a um pedido da defesa e determinou a soltura, no
entanto, Rosa Weber é relatora dos processos da operação que prendeu o
traficante.
Em
despacho proferido em junho, o então presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministro Dias Toffoli, negou pedido para redistribuir ao colega Marco
Aurélio Mello um habeas corpus apresentado pela defesa de um dos presos na
Operação Oversea. O argumento usado foi o de que, na Corte, os processos
relacionados à operação estão sob relatoria da ministra Rosa Weber.
"A
cadeia processual de prevenção a justificar a distribuição deste feito pertence
à Ministra Rosa Weber, "relatora dos feitos mais antigos referentes à
'Operação Oversea' em trâmite nesta Corte", escreveu Toffoli.
A
operação é a mesma que levou à prisão André do Rap em setembro do ano passado.
Por analogia, segundo o princípio da relatoria, é aberta a tese de que a
ministra é quem deveria ter decidido sobre a liberdade do suposto líder do
Primeiro Comando da Capital (PCC). Isso porque o relator é quem deve se
manifestar sobre questões urgentes de um processo, tomar decisões monocráticas
e levar ao plenário o julgamento de recursos.
Ministro já concedeu
habeas corpus para outros integrantes do PCC
Ministro
do STF já soltou ao menos 79 presos baseando-se na mesma lei que favoreceu traficante.
O levantamento foi feito pelo G1, que levou em conta apenas decisões publicadas
pelo STF .
“O
número de pessoas beneficiadas pode ser ainda maior, já que um mesmo habeas corpus
pode beneficiar mais de um preso.”
Em
todas essas decisões, Marco Aurélio Mello se baseou no artigo 316 do Código de
Processo Penal, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente
Jair Bolsonaro.
Além de André do Rap, o ministro Marco Aurélio Mello já havia determinado anteriormente a esse caso, a soltura de pelo menos outros dois homens acusados de terem cargos de liderança no PCC: Moacir Levi Correia, o Bi da Baixada (foto), acusado de chefiar o PCC em Santa Catarina, e Odemir Francisco dos Santos, o Branco, que lavava dinheiro para o PCC por meio de uma loja de automóveis, segundo o MP paulista.
Ministério Público já
havia solicitado a manutenção da prisão
Na
segunda-feira (12), as associações nacionais de Procuradores da República e de
promotores de Justiça estaduais divulgaram nota afirmando que tanto o
Ministério Público de São Paulo quanto o Ministério Público Federal (MPF) já
haviam se manifestado judicialmente pedindo a manutenção da prisão preventiva
do traficante André Macedo, conhecido como André do Rap.
"De
se ver que, no âmbito das 5ª e 6ª Turma do STJ, foi estabelecido que a
obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta apenas
ao juízo de primeiro grau ou tribunal que impôs a medida cautelar, de forma
que, proferida sentença ou o acórdão, não mais existiria a obrigação de
reavaliar, periodicamente, a renovação da segregação cautelar", diz o
texto.
"Importa
registrar, ainda, que a inobservância do prazo de prisão preventiva não tem
levado à sua automática revogação pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça. Ambos os tribunais vêm decidindo que devem ser analisados
os requisitos do caso concreto, que podem justificar a exacerbação do
prazo", afirma a nota.
Os
integrantes do MP e do MPF alegam, ainda, que a decisão de Marco Aurélio
suprimiu uma instância, ao analisar o caso antes que o mesmo pudesse ser
analisado pelo STJ.
Em caso idêntico outro
ministro teve decisão diferente
O
ministro Edson Fachin, do STF, em um caso envolvendo um preso por tráfico no
Ceará, com a prisão preventiva decretada em fevereiro do ano passado, negou a solicitação
da concessão do habeas baseada na falta
da revisão periódica do juiz
Na
decisão esse ministro alegou no seu despacho que não houve excesso de prazo na
prisão e que é preciso comprovar o prejuízo sofrido pela ausência da reavaliação
no prazo.
"Ao
tempo em que reconheço a existência de constrangimento ilegal pela ausência de
ato judicial que deveria ser periodicamente realizado, nos termos do art. 316,
parágrafo único do Código de Processo Penal (CPP), não visualizo, ao menos no
momento, hipótese de nulidade a autorizar a imediata revogação da prisão
preventiva", afirmou na decisão.
Presidente do STF suspende
habeas corpus
Na
noite de sábado (10), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux,
atendendo um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), suspendeu a
decisão liminar (provisória) do ministro Marco Aurélio Mello que determinou a
soltura de André do Rap.
Fux
determinou a prisão imediata de André do Rap e comunicou com urgência a 5ª Vara
Federal da Subseção Judiciária de Santos, do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região (TRF-3) e da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
Ao
pedir ao Supremo o retorno de André do Rap à prisão, o vice-procurador-geral da
República, Humberto Jacques de Medeiros, afirmou haver "risco efetivo que
o paciente em liberdade pode criar à ordem pública”.
Pedido da PGR
Na
solicitação de suspensão, o vice-procurado-geral da República afirmou que são
“fartas as provas de autoria e materialidade criminosa”, “bem como claras as
evidências concretas da necessidade do acautelamento do paciente”.
“A
prisão cautelar torna patente que sobre o líder criminoso se impõe a lei, e que
seus esquemas de corrupção, cobrança de fidelidade e retribuição por favores já
feitos, bem como o arsenal para potencial extorsão e exigência de proteção de
agentes políticos não prevalecem perante o movimento da persecução penal”,
defendeu Jacques.
“Sabe-se
que o crime organizado, nem mesmo com a prisão de seus líderes, é facilmente
desmantelado. O que dizer com o retorno à liberdade de chefe de organização
criminosa?” questionou o vice-procurador.
“Desbaratar
uma organização criminosa é um imperativo da ordem pública. É fundamental
garantir a cessação da atividade ilícita e a recuperação do resultado
financeiro criminosamente auferido”, completou.
Despacho do presidente do
STF
No
seu despacho, Fux afirmou que a soltura "compromete a ordem e a segurança
públicas", por se tratar de paciente "de comprovada altíssima
periculosidade" e com "dupla condenação em segundo grau por tráfico
transnacional de drogas".
O
ministro diz ainda que o investigado tem "participação de alto nível
hierárquico em organização criminosa, com histórico de foragido por mais de 5
anos".
O
presidente do Supremo argumentou que, se a soltura for mantida, ela "tem o
condão de violar gravemente a ordem pública, na medida em que o paciente é
apontado líder de organização criminosa de tráfico transnacional de
drogas".
Pedido de prisão foi solicitado
antes do habeas corpus
Na
sexta-feira (09), antes da sua soltura, o Ministério Público tentou manter a prisão
de André do Rap. A promotoria de São Vicente fez um pedido de prisão
preventiva, por causa de outro processo em que ele é réu. Os advogados
alertaram que André podia fugir do Brasil. Mas o juiz negou o recurso.
"O
réu em questão ficou foragido da Justiça por vários anos antes de iniciar o
cumprimento de suas penas e, agora, com a determinação citada acima, ficará
livre para fugir novamente. Aliás, é da experiência comum que traficantes como
o acusado, quando soltos dessa forma, fogem do País sem nem olhar para trás
(sic)", escreveu a promotoria.
O
juiz Alexandre Torres de Aguiar reconheceu a urgência do pedido, respondendo no
mesmo dia, mas indeferiu a prisão preventiva.
"Em
que pese a seriedade das informações trazidas pelo Ministério Público, o fato
de o réu André Oliveira Macedo ter sido regularmente solto em outros processos,
por si só, não se mostra como justificativa suficiente para autorizar um
decreto de prisão preventiva nestes autos. Ora, se em casos mais recentes, em
que o réu estava preso, já com condenações, teve reconhecido pelo Colendo
Supremo Tribunal de Federal o direito de ser solto, não parece razoável
pretender seja essa situação revertida, formulando-se pedido de prisão nestes
autos, que tramitem desde 2007 e que o réu, repita-se, responde solto desde
2008. Não há elementos atualizados e concretos de que o denunciado efetivamente
pode reiterar a conduta criminosa ou que esteja propenso a fugir do distrito da
culpa", escreveu o juiz.
Silvio
de Cillo Leite Loubeh, promotor que fez o pedido de prisão preventiva, deu
entrevista à CNN e afirmou que havia tempo para que André do Rap fosse preso
por esse outro processo.
"O
pedido foi feito pela promotoria de São Vicente e havia tempo hábil para
prisão. Tanto que a decisão foi preferida na véspera da soltura do traficante.
No entendimento do MP havia motivo para prisão. E isso foi levado pro juíz de
São Vicente, porque era concreto o risco de fuga, como de fato se confirmou
muito rapidamente. Inclusive o MP vai tentar o recurso, mas o prejuízo já foi
causado", lamentou Silvio.
Fuga
De
acordo com o delegado Fabio Lopes, chefe da operação que prendeu André do Rap
em 2019, e o promotor Lincoln Gakiya, após deixar a penitenciária, ele não se
dirigiu a nenhum dos endereços apontados onde iria permanecer, em Santos e
Guarujá. As investigações apontam que o traficante viajou de carro até Maringá,
no Paraná, de lá tenha embarcado para o Paraguai.
Na
noite de ontem (13), a Polícia Federal pediu a inclusão do nome de André do Rap
na lista de procurados da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal).
Chefe do PCC
André
do Rap é acusado pelo Ministério Público do Estado de são Paulo de chefiar,
desde fevereiro de 2018, o PCC (Primeiro Comando da Capital) na cidade de
Santos, região estratégica para o tráfico internacional de drogas feito pelo
PCC.
Até
2018, essa facção criminosa era liderada na cidade por Rogério Jeremias de
Simone, o Gegê do Mangue, assassinado em fevereiro de 2018, quando tinha 41
anos. Segundo o MP, ele morreu por desviar dinheiro proveniente do tráfico de
drogas no Porto de Santos.
Assim
como André do Rap, Gegê do Mangue também foi solto por decisão judicial e saiu
pela porta da frente do presídio em fevereiro de 2017. Depois, descumpriu todas
as determinações da facção e só foi localizado morto no Ceará.
Condenações por tráfico
André
do Rap estava preso por duas condenações em segunda instância por tráfico
internacional de drogas, com penas que totalizam 25 anos, nove meses e cinco
dias de reclusão em regime fechado.
O
participação dele num numa quadrilha de tráfico internacional de drogas pelo
Porto de Santos foi descoberto em 2013. Investigações da Polícia Federal
resultaram nas apreensões de 3,7 toneladas da droga, no país e fora dele, entre
janeiro de 2013 e março de 2014.
O
Ministério Público Federal ajuizou ações penais para cada uma das apreensões,
que denominou de “eventos”. O traficante estava envolvido em dois deles.
Em
uma delas, houve a interceptação de 84 kg de cocaína, em 23 de agosto de 2013.
A droga seria despachada no navio MSC Vigo para o porto espanhol de Valência
No
outro foram apreendidos, em 17 de dezembro de 2013, 145 kg de cocaína que
seriam levados no navio MSC Athos ao Porto de Las Palmas, nas Ilhas Canárias,
Espanha.
Ligação com a máfia
italiana
André
do Rap é suspeito de ser o principal elo do PCC com os mafiosos italianos
Nicola Assisi, 61, e Patrick Assisi, 37, acusados pelo governo italiano de
serem os principais chefes da 'Ndrangheta na América do Sul. Com o nome na
lista vermelha da Interpol, eles foram detidos em julho de 2019 na cidade de Praia
Grande e estão aguardando processo de extradição no presídio federal de
Brasília.
André
do Rap e os italianos moravam no mesmo prédio e contrataram o mesmo escritório
de advocacia para defendê-los. Para operar no Brasil, a 'Ndrangheta estabeleceu
acordos com o PCC.
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