A PF
suspeita que cabia a ele fazer a ponte entre o PCC e máfias na Sérvia e na
Itália para a remessa da droga para a Europa a partir do Porto de Santos.
No
dia 13 de abril, uma operação que envolveu a Polícia Federal (PF), o Itamaraty,
o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DEA) e o Departamento de Polícia
de Moçambique, na África, resultou na prisão de Gilberto Aparecido dos Santos,
conhecido como "Fuminho", considerado, segundo a PF, o maior
fornecedor de cocaína para o Primeiro Comando da Capital (PCC), além de ser
responsável pelo envio de toneladas da droga para diversos países do mundo.
Origem do apelido
Gilberto
Aparecido dos Santos na verdade era chamado por seus parceiros de crime como
"Fininho", pelo corpo esquálido que preserva até hoje. O apelido “Fuminho”
veio depois, quando a polícia compreendeu de maneira equivocada o apelido
citado por integrantes do PCC em grampos telefônicos.
Investigação
Fuminho
constava na lista dos vinte criminosos mais procurados do Brasil, divulgada em
2019 pelo Ministério da Justiça. Semanas após assumir o cargo de chefe da
Coordenadoria Geral de Polícia de Repressão a Drogas e Crime Organizado
(CGPRE), da Polícia Federal, o delegado Elvis Aparecido Secco elegeu Gilberto
Aparecido dos Santos como um dos seus alvos prioritários.
Lista de procurados divulgada pelo Ministério da Justiça Divulgação/Reprodução |
O
delegado decidiu montar uma equipe de quatro agentes em Brasília, além de
policiais federais do Ceará, com a missão de localizar e prender Fuminho. Secco
repetia uma estratégia que havia sido bem-sucedida em anos antes: em 2017, sua
equipe em Londrina, Paraná, prendera Luiz Carlos da Rocha, vulgo “Cabeça Branca”,
considerado o maior “narco” brasileiro de todos os tempos, depois de um ano e
meio de investigação minuciosa e bem compartimentada, baseada essencialmente em
trabalho de vigilância e amplo cruzamento de dados.
O
primeiro passo da apuração foi buscar nos bancos de dados da própria PF e em
relatórios do Itamaraty dados sobre outras investigações contra Fuminho. “Havia
muito documento baseado em boatos, sem muitos dados concretos”, diz Secco. A
equipe começou então a rastrear e a seguir os familiares de Fuminho no Brasil,
além de contatar informantes dentro da própria facção, levando a PF a descobrir
quem eram os subordinados do traficante. Mas a investigação só deslanchou
quando os policiais obtiveram a relação de nomes falsos utilizados por Fuminho.
Ao
rastrear um passaporte brasileiro emitido na Bolívia, os agentes chegaram ao
nome falso que Fuminho utilizava – Luiz de Lima. Com o documento, o investigado
embarcou em Buenos Aires para Joanesburgo, em março de 2018. O próximo passo
foi identificar brasileiros que poderiam ter proximidade com ele e iam com
frequência à África do Sul. “Achamos algumas pessoas indo de 4 a 6 vezes por
ano para lá, o que não é normal”, explica o delegado. Seguindo esses alvos, a
PF chegou ao endereço onde ele morava na Cidade do Cabo, uma mansão à beira-mar.
Com
o dado em mãos, os agentes passaram a mapear os movimentos migratórios do
traficante ao redor do mundo, com o auxílio do DEA. Durante os doze meses de
investigação, Fuminho movimentou dezenas de toneladas de cocaína entre Brasil,
África e Europa, segundo Secco – a PF suspeita que cabia a ele fazer a ponte
entre o PCC e máfias na Sérvia e na Itália para a remessa da droga para a
Europa a partir do Porto de Santos, principalmente com a participação de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, preso em
setembro do ano passado.
O
seu QG era na Bolívia, o país que mais produz cocaína no mundo e onde ele era
proprietário de fazendas, segundo apurações policiais. Na metade de 2019,
Fuminho decidiu trocar a Bolívia pela África do Sul, onde chegou a ser seguido
ao longo de vários dias pela equipe de agentes da PF, na companhia de policiais
sul-africanos. “Ele mudou-se para a África porque considerava o continente mais
seguro para comandar suas operações de exportação de cocaína do Brasil para a Europa”,
diz o delegado da PF.
“Não
se tratou de uma fuga. Ele foi para fazer negócios na África”, ressalta o
delegado. Segundo ele, Fuminho atuava em todas as pontas do tráfico de drogas –
desde o contato com os fornecedores na América do Sul aos compradores na África
e Europa. “Ele tinha uma capilaridade enorme para atuar em todas as fases do
esquema, assim como tinha articulação com toda a gama de criminosos e com os
responsáveis pela lavagem de dinheiro”, diz Secco. A PF identificou algumas
empresas de importação e exportação que ele gerenciava do continente africano e
seriam usadas para a logística da droga. Os portos africanos são um ponto
importante de parada de cargueiros que se dirigem à Europa e a Ásia.
No
início deste ano, Fuminho trocou a África do Sul pelo vizinho Moçambique. Ele foi
para a capital do país, Maputo em março, escondido de carro, sem passar pelos
controles alfandegários. O que ele não contava é que viria a crise do
coronavírus e parte das fronteiras do continente africano seriam fechadas.
Inicialmente,
caberia à equipe de agentes da PF a prisão dele, mas as recentes restrições de
voos internacionais devido à pandemia do coronavírus inviabilizaram a viagem.
Secco decidiu então pedir auxílio ao DEA, que seguiu Fuminho por dez dias pelas
ruas de Maputo até prendê-lo no dia 13 de abril, com apoio do Serviço Nacional
de Investigação Criminal (Sernic), braço da polícia moçambicana.
Na
realidade, Fuminho era caçado por policiais da DEA desde 2014, quando morava na
Flórida, Estados Unidos, em companhia do parceiro Wilson José Lima de Oliveira,
43 anos, o Neno.
Apontado
como homem forte do PCC (Primeiro Comando da Capital), Neno era o responsável
pela arrecadação da contribuição mensal de R$ 600 de todos os integrantes da
facção presos e em liberdade. A caixinha é chamada de “cebola”.
Antes
de ser detido e condenado a três anos de prisão, em 2017, em São Paulo, Neno
morava na Flórida. Lá, segundo investigações da policia norte-americana, ele
deu guarida ao amigo Fuminho. Ambos conseguiram escapar de um cerco policial e
fugiram na ocasião para o Panamá.
Ele
irá responder a duas ações penais. Uma delas é por tráfico de drogas e armas,
além de formação de quadrilha, decorrente da descoberta, pela PM paulista, de
um laboratório de refino de cocaína mantido pelo PCC em Itapecerica da Serra,
na Grande São Paulo, em 2013 – no local havia 450 quilos da droga, oito fuzis,
três rifles e duas submetralhadoras.
A Prisão
Era
início da tarde, ainda manhã no Brasil, quando os agentes do departamento
antinarcóticos dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) e da polícia
moçambicana cercaram o Hotel Montebelo Indy, localizado no subúrbio de
Sommerschield, em Maputo, capital do país africano, onde o brasileiro estava
hospedado há 40 dias.
Foto de Fuminho antes da prisão, em Maputo, no Moçambique
Divulgação/Reprodução
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Fuminho
foi surpreendido pela polícia na frente do hotel, no momento em que fumava um
cigarro na companhia de dois nigerianos, e não ofereceu resistência, quando
recebeu a voz de prisão. Ele trajava bermuda cinza e camiseta azul, e tinha
acabado de voltar de uma consulta médica em uma clínica para tratar de um
ferimento na perna direita, enfermidade conhecida como erisipela. Recentemente
ele havia fraturado dedo do pé direito, que ainda estava protegido por gesso.
Em
Maputo Fuminho ficou preso em uma cela monitorada por diversas câmeras de
segurança permanecendo o tempo todo vigiado por agentes da DEA.
Barão da droga
Leonardo
Simbine, porta-voz da polícia de Moçambique, detalhou que os agentes
apreenderam com Fuminho dois passaportes nigerianos e um brasileiro, todos
falsos com a foto dele e o nome falso de Luiz Gomes de Jesus. Ele ainda portava
100 gramas de maconha, 15 celulares, cinco malas, um automóvel, 34.700 meticals
(moeda moçambicana, o equivalente a 470 euros) e 5 mil rands (250 euros) em
espécie e três relógios. Simbine classificou o brasileiro como “Barão da Droga”.
A polícia local investiga as ligações do narcotraficante na região.
Extradição
A
transferência do narcotraficante para uma penitenciária federal, considerada de
altíssimo risco, movimentou um grande aparato de segurança: helicópteros,
carros blindados e dezenas de homem fortemente armados.
Megaoperação contou com a jatinho da Força Aérea Brasileira
(FAB), um helicóptero e cinco viaturas Divulgação/Reprodução
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Fuminho
foi extraditado de Moçambique ao Brasil no dia 19 de abril. Quando embarcou, às
1h30 (horário local) da madrugada no aeroporto de Maputo, capital de
Moçambique, Fuminho usava máscara e estava com algemas nas mãos e nos pés.
Para
trazê-lo ao Brasil, uma megaoperação foi montada às pressas – e em sigilo, com
direito a jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB), um helicóptero e cinco
viaturas. A logística foi coordenada pela Polícia Federal. A ação também contou
com a participação das forças armadas e do Departamento Penitenciário Nacional –
Depen.
A
entrada ilegal em Moçambique e o porte de droga no momento da prisão foram a
condição perfeita para que ele fosse expulso do país em menos de uma semana –
um processo de extradição na Justiça levaria meses.
Desta
vez, o governo brasileiro decidiu mantê-lo longe de Brasília – onde estão
encarcerados em um presídio federal Marcola, Sergio de Arruda Quintiliano, o
Minotauro (ex-chefe do tráfico na fronteira Brasil-Paraguai) e Nicola Assisi,
um mafioso italiano da Ndranghet. Ele foi encarcerado no presídio de segurança
máxima de Cantanduvas, no interior do Paraná.
Ligação com o PCC
De
acordo com o Ministério da Justiça, Fuminho atuava em todos os estados do país
e no Mercosul em crimes de tráfico de drogas, contra o patrimônio e de
financiamento para fuga de líderes de organizações criminosas.
Infográfico da cúpula do PCC – Site R7
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Investigações
da Polícia Civil e do MP (Ministério Público) paulista apontam que Fuminho, em
liberdade, era o principal braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o
Marcola. Apesar de ser aliado de Marcola, principal chefe do PCC, que está
preso em Brasília, investigadores e pesquisadores dizem que Fuminho não é
integrante da facção paulista, apenas sócio.
Em
janeiro de 1999, Fuminho e Marcola fugiram juntos do Carandiru, na capital
paulista. Esse último seria capturado seis meses depois, e desde então segue
atrás das grades – atualmente ocupa uma das celas individuais do presídio
federal de Brasília. Já Fuminho passou um tempo na favela de Heliópolis, em São
Paulo, e depois se radicou em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, de onde
passou a enviar toneladas de cocaína para o PCC, tornando-se o maior fornecedor
da droga para a facção, ainda que, formalmente, nunca tenha se filiado à
organização do amigo Marcola.
Além
de amigo de infância de Marcola, ele ficou preso junto com o principal chefe do
PCC ainda no interior de São Paulo. Homem de confiança, Marcola negociava
diretamente com Fuminho a importação de drogas, sobretudo cocaína e maconha, de
países produtores vizinhos para o Brasil.
Fuminho
tinha carta branca da cúpula do PCC para determinar ações na fronteira, como,
por exemplo, nomeações de chefes, assaltos a bancos e até mesmo a resgates de
prisões, nos moldes do que ocasionou na saída de 75 presos em Pedro Juan Cabellero,
no Paraguai, em janeiro deste ano. Segundo a polícia paraguaia, essa fuga
custou ao menos R$ 6 milhões à facção.
Além
disso, Fuminho era peça-chave nos negócios entre o PCC e a máfia italiana
'Ndrangheta. Investigação europeia aponta que Domenico Pelle, apontado como o
principal chefe da máfia na Itália, esteve em São Paulo para negociar drogas
pessoalmente com lideranças do PCC pelo menos duas vezes, entre 2016 e 2017,
entre eles, Fuminho. Pelle foi preso na Europa em dezembro de 2018.
Execução do nº 2 da Facção
Fuminho
também é réu na execução no número 2 do PCC. De acordo com um relatório
sigiloso do Núcleo Regional de Inteligência e Segurança Penitenciária da
Croeste (Coordenadoria das Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado de São
Paulo), revelado pelo site UOL, Fuminho foi o responsável por comandar o
assassinato de Rogério Jeremias de Simone, 41, o Gegê do Mangue, o "número2" do PCC em fevereiro de 2018.
Bilhete encontrado na Penitenciária 2 de Presidente
Venceslau Divulgação/Reprodução
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Segundo
o documento, em 1º de fevereiro de 2017, ao deixar a prisão, Gegê do Mangue
prometeu resgatar Marcola, que estava detido na penitenciária 2 de Presidente
Venceslau, no interior de São Paulo. "Gegê passou a ser a principal
liderança da facção em liberdade, assumindo o controle de todas as atividades
criminosas do grupo", diz o documento. Ele "Teria prometido, no
momento de sua liberdade, que iria resgatar Marcola, com quem possuía uma
imensa dívida de gratidão. Teria dito que Marcola não precisava fazer nada
relacionado ao plano, pois toda a execução seria feita por ele. Porém, não o
fez, e aproveitando-se do fato de ser a principal liderança em liberdade,
voltou todos os seus esforços para o tráfico de drogas em benefício próprio,
porém, utilizando a estrutura da facção", complementa o relatório.
Ainda
de acordo com o documento, "após ficar um ano em liberdade e nada fazer em
prol da facção, nem tampouco organizar a ação de resgate, Gegê foi assassinado
a mando de Fuminho”. “Segundo a investigação, Fuminho teria percebido que Gegê
não tinha interesse algum na liberdade de Marcola, pois, uma vez resgatado,
Gegê passaria a ser um coadjuvante na facção e Marcola descobriria as diversas
irregularidades praticadas por ele".
Com
um único tiro no rosto, Gegê do Mangue foi assassinado ao lado de seu comparsa
Fabiano Alves de Souza, o Paca, 38, em 15 de fevereiro de 2018. O duplo
homicídio gerou uma guerra interna na maior facção criminosa do país, cujos
efeitos se fazem sentir até hoje. Responsável por executar o plano organizado
por Fuminho, o traficante Wagner Ferreira da Silva, o “Cabelo Duro”, foi morto
a tiros uma semana depois do crime, a tiros de metralhadora, em São Paulo.
Fuminho é um dos denunciados pelos homicídios ocorridos no Ceará.
Tentativa de resgate do
Lider do PCC
Segundo
uma investigação Polícia Civil do Estado de São Paulo, Fuminho é apontado como
o mentor de ao menos três planos para libertar Marcola: o primeiro, de 2014, que
envolveria até um helicóptero blindado, que içaria o chefão do PCC para fora da
Penitenciária de Presidente Venceslau, Oeste paulista, onde estava na época. No
último, em fevereiro deste ano, segundo um documento da SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), Fuminho também planejava resgatar
Marcola da Penitenciária Federal de Brasília, para onde ele foi transferido em
março de 2019.
O
documento diz que o plano foi descoberto em abril de 2019, quando agentes
localizaram um bilhete decodificado em uma cela no raio 2 da Penitenciária 21
de Presidente Venceslau. A descoberta desse plano motivou o decreto de Garantia
da Lei e da Ordem (GLO) autorizando o uso das Forças Armadas no entorno do
presídio federal de Brasília, onde Marcola está atualmente.
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