Para ministros, lei não proíbe trabalhador de receber
verba por insalubridade e periculosidade
O
Tribunal Superior do Trabalho (TST) sinaliza uma mudança de entendimento em
relação à possibilidade do trabalhador receber cumulativamente os adicionais de
insalubridade e periculosidade. Em decisões recentes, pelo menos duas turmas da
Corte afastaram a interpretação de que o empregado deve optar por receber uma
das verbas.
A
reviravolta no entendimento do tribunal sobre a matéria começou em 2015 com uma
decisão da 7ª Turma da Corte que, por unanimidade, admitiu que as empresas
paguem aos empregados os dois adicionais, desde que os fatos geradores das
verbas sejam distintos. (RR-773-47.2012.5.04.0015).
A
jurisprudência que foi construída ao longo dos anos foi a de que o empregado
deveria escolher entre o adicional de periculosidade – que é de 30% sobre o
salário base – e o de insalubridade – que varia entre 10%, 20% ou 40% sobre o
salário mínimo regional. A interpretação é fundamentada no artigo 192, § 2º, da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). De acordo com o dispositivo, o
empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja
devido.
Com
base no artigo, o TST e demais tribunais trabalhistas concluem que o
trabalhador não receberia os dois adicionais, mesmo que seja exposto,
simultaneamente, a agentes potencialmente nocivos à saúde e geradores de risco à
integridade física ou à vida.
Em
uma decisão recente, porém, a 3ª Turma do tribunal autorizou a cumulação dos
adicionais de insalubridade e periculosidade. A argumentação dos ministros foi
baseada em dispositivo constitucional e no fato de não haver proibição legal de
cumulação dos adicionais.
Para
o relator do caso, ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, não há
vedação legal ao recebimento das duas verbas. O magistrado ressaltou que a
norma da CLT que implica renúncia ao adicional de insalubridade para os
empregados que optem por receber o adicional de periculosidade só é válida para
os casos em que os fatos levam simultaneamente a uma situação de insalubridade
e de risco.
“E
aí a opção por um dos adicionais se impõe, com recepção da norma da CLT, a
exemplo do trabalhador que opera aparelho de raios X, gerador de risco à saúde
e à integridade física”, explicou.
No
entanto, segundo ele, a interpretação da regra não pode ser a mesma quando os
fatos geradores da insalubridade e da periculosidade são diversos e não se
confundem.
“Nesta
hipótese, a norma do art.193, §2º, da CLT, não incide, pelo simples fato de que
não há opção a ser feita. São fatores distintos e cada qual faz incidir o
adicional correspondente. Interpretação distinta corresponderia a negar um
direito fundado na Constituição Federal”, afirmou.
Os
ministros da turma também passaram a citar o artigo 7º da Constituição Federal,
inciso XXIII, que garante o direito ao recebimento dos adicionais de
insalubridade e periculosidade, sem nenhuma ressalva quanto à cumulação. Para
os ministros, o dispositivo da CLT não estaria recepcionada pela Constituição.
Segundo
a advogada Maria Carolina Seifriz Lima, sócia do escritório Andrade Maia,
apesar de haver algumas decisões que possibilitaram a cumulação dos adicionais
de insalubridade e periculosidade, a Corte Superior do TST não deve mudar de
entendimento tão cedo.
“É
possível afirmar que a possibilidade de cumulação dos adicionais de
insalubridade e periculosidade vem ganhando cada vez mais adeptos entre juízes
de primeiro grau e desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho. De
qualquer sorte, entendo que, no atual cenário, é prematuro afirmar que há uma
tendência de alteração de posicionamento na Corte Superior, pelo menos enquanto
mantida a atual composição dos órgãos do TST”, afirmou.
Ricardo
Calcini, assessor de desembargador e professor da Escola Judicial no Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), afirma que apesar de juridicamente ser
possível aceitar a tese da cumulatividade dos adicionais, a decisão gera
insegurança jurídica.
“A
3ª Turma do TST contrariou a unificação promovida pela SBDI-1 do TST. Logo, em
tempos em que há uma valorização dos precedentes judiciais, por força do novo
CPC, a decisão acaba por criar uma maior insegurança jurídica, ainda mais
fomentando a litigiosidade”, afirmou.
Insalubridade x penosidade
Em
outra decisão recente, a 3ª Turma permitiu o acúmulo de adicionais de
insalubridade e penosidade. Segundo o relator do caso, ministro Alexandre de
Souza Agra, considerando a impossibilidade de se alcançar um ambiente
totalmente isento dos riscos à saúde, o pagamento dos adicionais visa compensar
o risco à saúde e à vida e a integridade do trabalhador.
“Os
arts. 190 e 193 da CLT, que preveem o pagamento dos adicionais de insalubridade
e de periculosidade, embora sejam taxativos quanto à caracterização das
atividades insalubres e perigosas pelo Ministério do Trabalho, não trazem
nenhuma vedação para a sua cumulação, inclusive porque visam remunerar
situações distintas de gravame à saúde”, afirmou, no acórdão.
O
ministro afirmou ainda ser inválida a disposição de norma interna que implica
renúncia ao adicional de insalubridade para os empregados que optem por receber
o adicional de penosidade, uma vez que os artigos 7º, XXIII, da Constituição
Federal e 192, “caput”, da CLT, asseguram a percepção do benefício para o
trabalhador que exerce atividade insalubre.
No
entanto, para o advogado Matheus Quintiliano, não há lei que permita o
adicional por penosidade, que é caracterizado por um trabalho desgastante e que
não há risco de morte.
“O
TST não aceita uma norma interna em detrimento de uma lei, não se pode
renunciar um direito irrenunciável. No momento em que o trabalhador escolhe um
adicional previsto por uma norma interna e não um dispositivo de lei, ele
renuncia em detrimento de uma lei, ou seja, renuncia um direito irrenunciável”,
e continua:
“O
tribunal não mudou o seu entendimento. Apesar da decisão no sentido da
cumulação dos dois adicionais, os tribunais inferiores só seguirão o
entendimento se houver uma OJ [orientação jurisprudencial] ou uma súmula
vinculante nesse sentido. Até então não há consenso sobre isso e o acúmulo não
é previsto em lei”, afirmou.
Decisões contraditórias
Em
outubro de 2016, Subseção I da Seção de Dissídios Individuais (SDI-1) decidiu
que um trabalhador sujeito a fatores de periculosidade e de insalubridade tem
direito a receber apenas um dos dois adicionais em seu salário. (RR –
1072-72.2011.5.02.0384)
O
entendimento da SDI-1 levou em conta a interpretação tradicional da Corte sobre
parágrafo 2ª do artigo 193 da CLT, que diz: “o empregado poderá optar pelo
adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”.
No
entanto, em abril do mesmo ano, a SDI-1 admitiu a cumulatividade dos dois
adicionais provocando forte debate entre advogados trabalhistas e temor nas
empresas por uma avalanche de processos – não apenas cobrando o adicional dali para
frente, mas também de trabalhadores sujeitos a dois fatores de risco nos
últimos cinco anos. (RR 7092-95.2011.5.12.0030).
Fonte:
JOTA
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