Desembargador federal cita a Guarda Portuária como órgão que presta serviços de segurança pouco compreendido pela população
A
Segurança Pública está prevista no artigo 144 da Constituição Federal, como
sendo dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. São
reconhecidos como seus órgãos, a polícia federal, a rodoviária federal, a
ferroviária federal (praticamente inexistente), as civis, militares e corpos de
bombeiros nos estados.
Todavia,
na rotina dos brasileiros outros órgãos acabam prestando serviços de segurança,
pouco compreendidos pela população. Todos querendo adquirir status de polícia,
ou seja, maior espaço de poder. Vejamos.
A
Guarda Nacional Republicana, composta por membros das Forças Armadas e outras
corporações, que é utilizada para garantir a ordem e a tranquilidade públicas
em situações de emergência. As Forças Armadas, que receberam atribuições de
Polícia Judiciária, através dos artigos 17 e 18 da Lei Complementar 136/2010.
Agentes
de Segurança Penitenciária, que fazem parte de polícia administrativa limitada
ao interior dos presídios. Guarda Portuária, também conhecida como Polícia
Portuária, que atua nos portos. Guarda Municipal, encarregada de proteger o
patrimônio dos municípios.
A
estas se acrescenta a Polícia do Senado e da Câmara dos Deputados, de todas as
menos conhecidas. Elas têm previsão nos artigos 51, inciso IV, e 52, inciso
XIII, respectivamente, da Constituição. Não há lei nem decreto regulamentando-as,
apenas atos administrativos.
A
Polícia do Senado, que é a que no caso nos interessa, tem suas atribuições
fixadas no artigo 2º da Resolução 59/2002, que no § 1º, descreve as suas
atividades típicas:
I
- a segurança do Presidente do Senado Federal, em qualquer localidade do
território nacional e no exterior; II - a segurança dos Senadores e autoridades
brasileiras e estrangeiras, nas dependências sob a responsabilidade do Senado
Federal; III - a segurança dos Senadores e de servidores em qualquer localidade
do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do
Senado Federal; IV - o policiamento nas dependências do Senado Federal; V - o
apoio à Corregedoria do Senado Federal; VI - as de revista, busca e apreensão;
VII - as de inteligência; VIII - as de registro e de administração inerentes à
Polícia;IX - as de investigação e de inquérito.[i]
A
súmula 397 do Supremo Tribunal Federal, reconhece-lhes o poder de investigar:
“O Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de
crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a
prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.”
Mas
dúvidas e inconformismos persistem. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região
decidiu que esta competência é cumulativa, portanto a Polícia Federal e a
Polícia Civil do Distrito Federal, a depender do crime, possuem também poder de
investigar. Confira-se:
MANDADO
DE SEGURANÇA. POLÍCIA DO SENADO FEDERAL. COMPETÊNCIA PARA APURAÇÃO DE INFRAÇÃO
PENAL QUE NÃO EXCLUI A COMPETÊNCIA DE OUTROS ÓRGÃOS, EM ESPECIAL DA POLÍCIA
JUDICIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA.
1.
O impetrante sustenta que o poder de investigação do Senado Federal exclui,
absolutamente, o poder investigatório de qualquer outra instituição, ao
fundamento de que tal importaria em violação ao princípio da separação dos
poderes.
2.
Sem razão o impetrante. Os atos de investigação para a apuração de delitos no
âmbito do Senado Federal não são exclusivos da polícia daquela casa
legislativa.
3.
"Poderes absolutamente exclusivos de investigação são, por conseguinte,
absolutamente incompatíveis com o Estado Constitucional de Direito, seja qual
for a instituição que os reclame." (do opinativo ministerial, fl.
1172).[ii]
O
cargo de policial do Senado, ao contrário do que muitos pensam, é altamente
disputado, sua remuneração inicial é de R$ 16.014,16, [iii] evidentemente sem
gratificações ou adicionais por tempo de serviço.
Pois
bem, no dia 21 de outubro a Polícia Federal, obedecendo determinação do juiz
federal da 10ª. Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, cumpriu ordem de
prisão temporária de quatro membros da Polícia do Senado, porque teriam usado
equipamentos de varredura eletrônica em gabinetes e imóveis de senadores da
República, assim dificultando a investigação de crimes.
O
fato gerou revolta do presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros,
que viu no ato uma ofensa ao poder que representa e, entre outras coisas,
chamou o ministro da Justiça de “chefete de polícia” e o magistrado de
“juizeco”. A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF rebateu afirmando que
quando um juiz era destratado ela era destratada também.
A
sociedade brasileira em geral e a comunidade jurídica em especial assistiram
aos fatos com certa perplexidade, seja pelo desconhecimento dessa Polícia, seja
pela polêmica instaurada em razão da extensão do poder de um juiz federal de
primeira instância.
Prudentemente,
no dia 27 de outubro o ministro Teori Zavaski, do STF, examinando reclamação de
um dos presos, deferiu liminar determinando a soltura dos policiais e avocando
os autos para averiguar a competência e a regularidade dos atos praticados na
primeira instância. A liminar veio no momento certo, como forma de estancar a
crise institucional entre os Poderes.
O
primeiro fato a merecer destaque é que o inquérito da Polícia Federal, que
investiga eventuais crimes, encontra-se sob a jurisdição do juiz federal
Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do DF (criminal), porque o
próprio ministro Teori Zavascki, que ao início recebeu representação da
Procuradoria Geral da República, assim determinou. [iv] Em outras palavras, o
MPF pediu investigações ao STF e o ministro reteve consigo a parte que envolvia
pessoas com foro por prerrogativa de função (leia-se senadores) e mandou para a
primeira instância a investigação dos que não tinham foro privilegiado (leia-se,
policiais do Senado).
A
partir desta premissa, a análise passa à conduta do juiz de primeiro grau, se
excedeu-se ou não. Mas nada é assim tão simples. Vejamos.
Se
houve ordem de prisão contra os policiais legislativos, porque estariam
tentando desmontar a prova, impedindo que os “grampos” tivessem efetividade,
pressupõe-se que havia “grampos”. E se eles estavam nos gabinetes de senadores
ou em suas residências, por ordem de quem lá se encontravam?
Se
existiam indícios de varreduras que estavam destruindo a colheita de provas, a
prisão de policiais legislativos atinge os senadores? O Senado Federal como
instituição? É possível investigar os policiais sem que se afete a quem eles
obedecem?
A
imunidade de senadores às ordens da Justiça de primeira instância, já que
possuem foro no STF, inclui imunidade de busca e apreensão ou outras medidas em
seus gabinetes? Em suas moradias? Para o procurador da República Carlos
Fernando dos Santos Lima, que conduz as investigações da "lava jato",
não existe no Brasil tal imunidade. [v]
Fácil
é ver que estas questões precisam ser analisadas de forma técnica e não
passional e que a crise institucional em nada auxilia a busca da melhor
solução. Por isso a decisão do ministro Zavascki foi a mais acertada. Agora,
com a calma que o caso requer, todas estas dúvidas poderão ser esclarecidas e
constituir precedente para casos futuros.
Aos
reflexos de toda a celeuma criada se dará solução caso a caso. Mas, de todas as
iniciativas tomadas, que vão desde farpas lançadas em momentos de tensão até
representação contra o juiz ao CNJ, dois aspectos devem ficar, desde logo,
esclarecidos:
1.
O juiz federal Vallisney de Souza Oliveira é um magistrado experiente e
respeitado, com longa folha de bons serviços prestados à Justiça Federal, parte
deles no Amazonas, parte em Brasília;
2.
O senador Renan Calheiros, ao anunciar que vai pedir à Câmara que priorize a
PEC 89/2003, que põe fim à aposentadoria de juízes e membros do MP condenados
administrativamente à perda do cargo, presta um bom serviço à nação. Não há
como aceitar que um corrupto possa ser punido e receber dos cofres públicos uma
aposentadoria proporcional ao tempo de serviço ou integral, muito superior ao
teto do INSS.
Eis,
em síntese, as diversas facetas do intrincado episódio da prisão dos policiais
legislativos. A ocorrência não deve ser vista como algo negativo. Bem ao
contrário, reflete que as instituições estão funcionando e que, por ser inédita
a apuração envolvendo políticos e empresários, é normal que surjam turbulências
no meio do caminho.
i
http://www.senado.gov.br/senado/spol/asp/APS_Competencias.asp, acesso em
26.10.2016.
ii
TRF-1ª Região, MS 0073258-87.2014.4.01.0000/DF, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz,
Segunda Seção, unânime, e-DJF1 22.5.2015.
iii
http://blog.grancursosonline.com.br/concurso-senado-federal-define-remuneracao-de-r-17-70591-para-nivel-medio-mais-de-600-cargos-vagos/,
acesso em 27/10/2016.
iv
Jornal Zero Hora, 28/10/2016, p. 12.
v
Jornal Estado de São Paulo, 27/10/2016,
p. A7.
Texto:
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª
Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR,
pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito
Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International
Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É
vice-presidente do Ibrajus.
Fonte: Conjur
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